Título: Recuperação sem grandeza
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2010, Brasil, p. 17

Durante mutirão carcerário realizado no Pará, CNJ flagra pessoas presas em corredores estreitos e em contêineres de seis metros quadrados. Penitenciárias do estado abrigam 11 mil detentos

Com um deficit de quase 200 mil vagas, o sistema penitenciário brasileiro, que abriga 480 mil pessoas atualmente, tornou-se uma fábrica de monstruosidades. As mais recentes, constatadas no mutirão carcerário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está realizando no Pará, são até 10 mulheres espremidas em estruturas metálicas uma espécie de contêiner de seis metros quadrados, na região metropolitana de Belém. Uma cadeia localizada no município de Marituba mantém 16 pessoas detidas em um corredor com quatro metros de comprimento por um e meio de largura. Os presos da Idade Média devem estar batendo palmas e dizendo: a gente era feliz e não sabia, ironiza Luciano André Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ.

O calor constatado dentro das estruturas metálicas, de acordo com Losekann, varia de 40ºC a 50ºC. Para o juiz Vinícius Borba Paz Leão, que coordena o trabalho do CNJ no Pará, a situação da delegacia localizada no bairro de Marambaia, na capital paraense, foi uma das mais chocantes já presenciadas. São duas celas com 23 homens. No corredor de acesso a elas, fica um preso com tuberculose em fase de transmissão da doença, uma situação totalmente indigna, diz o magistrado. Em Marituba, Leão flagrou mais condições desumanas. O calor é tão insuportável que os 16 detentos no corredor de um metro e meio de largura deixam uma torneira aberta o dia inteiro, e há uma mangueira disponível para se molharem. Como o chão fica encharcado, eles não têm colchão. Para dormir, fazem revezamento no chão mesmo.

Estrutura capixaba Paralelamente ao trabalho no Pará, magistrados do CNJ foram, nesta semana, ao Espírito Santo para verificar as providências tomadas. O estado chegou a ser denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) por conta da estrutura penitenciária falida. Três centros de detenção, sendo um deles para adolescentes, adotaram estruturas parecidas com a dos contêineres, que estão desativadas. Além disso, o governo capixaba criou 6 mil vagas nos últimos dois anos. A Casa de Custódia de Viana, onde ocorreram os piores casos de tortura e mortes levados ao organismo internacional, acabou demolida. Aquilo era um lixo, precisava mesmo ser totalmente destruído. O que constatamos é que o Estado cumpriu o que prometeu meses atrás, diz Losekann.

Em março de 2010, a situação do Espírito Santo foi discutida em um painel da ONU, em Genebra, sob o título de masmorras capixabas. O relatório com as denúncias concentrou-se nas situações mais bárbaras ocorridas em unidades prisionais capixabas, especialmente a de Viana. Em 30 páginas, o documento mostrou corpos esquartejados de três presos. Um deles estava em uma lata. A repercussão do caso levou o governo a estabelecer metas para o fechamento de unidades inadequadas e a construção de outros estabelecimentos. Há cerca de 8 mil detentos no Espírito Santo. No Pará, onde o CNJ continuará as inspeções até 15 de outubro, a estimativa é de 11 mil presos.