Título: Autopeças nacionalizam itens de segurança considerados de luxo
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2006, Empresas, p. B1

Durante uma viagem no interior de São Paulo há seis anos, o engenheiro Gábor Déak, presidente da Delphi na América do Sul, conseguiu evitar que o automóvel que dirigia colidisse com um caminhão. Mas o choque em uma mureta foi inevitável. O carro ficou destruído. Mas o executivo e seu laptop saíram ilesos. Déak, no volante e o laptop, ao lado, no banco do passageiro, foram protegidos pelos airbags que se inflaram no instante da colisão.

Quem de alguma forma já passou por experiência semelhante à do presidente da Delphi ou conhece algum episódio parecido deixou de pensar que equipamentos como airbag e freios ABS são meros acessórios de luxo.

O problema é que esses produtos são importados, o que torna o acesso limitado mesmo com câmbio favorável. Para ter um dos dois itens o consumidor tem de desembolsar entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. Mas o aumento no número de carros estrangeiros, a chegada de novas montadoras no país e a crescente vontade dos brasileiros por equipamentos de segurança iguais aos dos carros do Primeiro Mundo despertaram na indústria de autopeças o interesse de produzir esses equipamentos no Brasil.

Como são itens de alto nível tecnológico, não será possível conseguir 100% de nacionalização de imediato. A subsidiária da americana TRW e a da alemã Bosch estão prontas para produzir airbag e freios ABS. Falta, no entanto, definir quantas peças de cada um desses equipamentos sofisticados poderão ser compradas no Brasil.

A Bosch quer resolver isso logo porque já está preparada para dar início a uma linha de ABS na fábrica de Campinas (SP) em meados de 2007. Um investimento de R$ 25 milhões será aplicado em uma linha com capacidade para produzir 250 mil peças por ano.

A taxa de instalação desses equipamentos nos carros fabricados no país ainda é baixa. Em média, apenas 12% dos automóveis feitos no Brasil saem com os chamados freios ABS, que impedem o travamento das rodas numa freada brusca. Mas o índice era a metade disso há três anos, afirma o diretor de vendas da Bosch, Bernd Schemer. Daí o entusiasmo para começar a produção local.

"Vamos nacionalizar a parte mecânica. O restante é mais complexo; não vale a pena", afirma o executivo da empresa que está nesse momento discutindo com fornecedores e montadoras qual é o índice de nacionalização possível.

A TRW ainda não definiu a data para produzir o airbag brasileiro. Mas acredita que pode alcançar 50% de nacionalização. O item "inflator" é o mais difícil de ser fabricado no Brasil, segundo o presidente da TRW na América do Sul, Moisés Bucci. Trata-se de um mecanismo que desencadeia a explosão do airbag no momento da colisão.

Para as montadoras, clientes da indústria de autopeças, o que importa é que, quando nacionalizados, esses equipamentos custem menos. Ninguém dá ainda estimativas de redução de custos. "O problema é que esse tipo de produto chega no mercado a um preço que o transforma em artigo de luxo", afirma o gerente nacional de marketing da Ford, Antonio Baltar.

O preço faz com que o comportamento dos clientes, diante da possibilidade de instalar um airbag ou ABS, seja diferenciado dependendo da faixa de valor dos automóveis.

No carro popular, onde o principal fator que determina a compra é preço, esse desejo praticamente não aparece, segundo Baltar. No modelo médio, afirma o executivo, o consumidor começa a fazer as contas para avaliar se vale a pena. "Já na linha de luxuosos o cliente não compra o carro se não vier equipado com esses dois itens", afirma.

A Ford decidiu importar o Fusion, um carro mexicano que custa a partir de R$ 80 mil, já com os dois equipamentos. A Renault coloca o airbag como item de série também nos carros pequenos. A única exceção é para a versão mais barata do Clio.

Mas, apesar do aumento do interesses por novidades em segurança veicular, boa parte dos consumidores brasileiros ainda coloca outros acessórios à frente do airbag e ABS na lista das prioridades para o automóvel.

No Fox 1.6, modelo compacto da Volkswagen, o consumidor de São Paulo gasta R$ 2.900 a mais para ter o carro com ABS, R$ 2.070 para levar o airbag duplo (motorista e passageiro) e R$ 4.100 se a opção for ar-condicionado. Mas a maioria prefere o último ítem. "O ar-condicionado dá de 10 a zero nesse carro", afirma Marcos Leite, gerente de vendas da Primo Rossi, concessionária Volks.

Recentemente a própria Bosch fez uma pesquisa com a ajuda de uma consultoria para avaliar a disposição do consumidor em ter esses itens de segurança.

O chefe de engenharia, aplicação e vendas da Bosch, Geraldo Gardinalli, notou que as mulheres deram maior importância a esses equipamentos do que o homem. "De maneira geral, os homens ainda acham que podem controlar o carro", afirma.