Título: Países da UE pressionam bancos a comprar bônus
Autor: Enrich,David
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2011, Finanças, p. C3

Alguns países da Europa, que cada vez encontram dificuldades para encontrar compradores para seus títulos de dívida, estão pressionando seus já estressados bancos para que assumam o papel de credores de última instância - em alguns casos, levando para níveis ainda mais altos a quantidade de dívida europeia de alto risco nos balanços dessas instituições.

Alguns governos europeus, como os da Itália e de Portugal, estão dependendo de seus bancos para continuarem comprando - ou pelo menos para que não vendam - títulos de dívida soberana, segundo pessoas a par da questão.

Ao mesmo tempo, na Espanha e em outros países europeus, a quantidade de empréstimos que os bancos estão concedendo para governos locais e nacionais tem aumentado fortemente.

A pressão é um sinal da crescente preocupação dos países europeus financeiramente instáveis de que sem compradores para sua dívida, seus custos de financiamento ficarão fora de controle.

Esta semana traz um teste crucial para os mercados europeus de títulos de dívida soberana. Enquanto os líderes europeus discutiam novas medidas para conter a crise continental, os governos italiano e belga realizaram ontem rodadas bem-sucedidas de emissão de títulos de dívida, embora as operações tenham envolvido somas relativamente pequenas e pagaram juros alarmantes. Testes ainda maiores estão por vir.

O governo italiano vai oferecer hoje até € 8 bilhões (US$ 11 bilhões) em títulos de dívida, seguido de outro leilão importante da Espanha, na quinta-feira.

A fraca demanda pelos títulos de dívida soberana pode elevar o custo de financiamento desses países para um nível insustentável. Para impedir isso, os bancos de cada país provavelmente terão de enfrentar forte pressão para participar dos leilões, dizem especialistas. Eles já são os maiores portadores desses títulos, respondendo por cerca de 13% da dívida soberana italiana e por cerca de 23% da de Portugal.

A pressão para os bancos europeus apoiarem os títulos de dívida de seus países ressalta um paradoxo enfrentado por eles: os investidores e as autoridades de regulamentação querem que os bancos diminuam suas aplicações em títulos de dívida soberana da Europa, mas políticos locais estão fazendo de tudo para que não façam isso.

As ligações financeiras profundas entre os governos europeus e seus bancos podem ter ajudado a alimentar a crise do continente. Os bancos da Europa inteira têm, juntos, centenas de bilhões de euros investidos em títulos de dívida emitidos por países que os investidores temem que pedirão moratória. As dúvidas sobre se os bancos conseguirão sobreviver a perdas em suas aplicações em dívida soberana alimentaram os temores de que governos já combalidos possam ter de resgatar o setor.

Os investidores têm punido os bancos com carteiras substanciais de títulos de dívida emitidos por países como Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha. E as autoridades criaram mais um motivo para os bancos reduzirem as aplicações. A Autoridade Bancária Europeia está calculando as novas exigências de reserva de capital dos bancos, baseadas em parte nas suas aplicações em títulos de dívida soberana de alto risco. Quanto mais títulos desse tipo eles tiverem, mais capital precisarão para se proteger contra possíveis prejuízos.

A situação levou muitos bancos importantes na Europa e nos Estados Unidos a liquidarem rapidamente suas aplicações, que tinham acumulado durante uma época em que esses títulos de dívida de alto rendimento eram considerados praticamente isentos de risco.

Mas à medida que essas pressões atingem os bancos, os governos começam a ficar sem alternativas para tomar recursos emprestados e estão apelando cada vez mais aos bancos locais em busca de ajuda. Isso estreita ainda mais os laços financeiros que já andam causando gastrite em muitos investidores, autoridades e políticos.

Quando alguns bancos europeus começaram a oferecer no mercado parte de suas carteiras de dívida soberana, ganharam como adversário os governos, que solicitaram que parassem de vendê-los, segundo pessoas a par da situação. Em alguns casos, governos convenceram os bancos a parar de reduzir suas carteiras de títulos de dívida soberana, disseram as pessoas.

"Sabemos que o Tesouro Italiano vai nos matar se reduzirmos a nossa exposição", disse um executivo do alto escalão de um banco italiano. Repetindo o que contam outras pessoas familiarizadas com a questão, o executivo descreveu telefonemas recebidos de autoridades do Tesouro para fazer uma "pressão amigável" depois que seu banco vendeu alguns títulos do governo italiano.

Um porta-voz do Tesouro da Itália não quis comentar.

Embora os governos geralmente não tenham poderes explícitos para fazer os bancos cooperarem, as instituições geralmente não gostam de irritá-los. Em Portugal, o maior banco é estatal. Além disso, vários bancos fazem trabalhos lucrativos para seus governos - inclusive a operação de suas emissões de dívida.

Em Portugal, que já recebeu este ano um pacote internacional de resgate, os bancos também têm enfrentado pressão governamental para não venderem os títulos de dívida soberana. "Por um lado, há ativos de alto risco que deveriam ser descartados, mas por outro há pressão para continuar investindo neles", disse um banqueiro português.

Uma porta-voz dos Ministério da Fazenda de Portugal não quis comentar.

Além da pressão do governo, há outro motivo poderoso para os já problemáticos bancos manterem suas aplicações em dívidas governamentais. Os bancos podem oferecer os títulos de dívida como garantia para empréstimos do Banco Central Europeu.

Em mais um exemplo da pressão governamental sobre o setor privado, autoridades do alto escalão da Fazenda da Espanha telefonaram no meio do ano para investidores institucionais e individuais para incentivá-los a comprar as ações recém-emitidas pelo Bankia, um banco criado com a fusão de sete caixas de poupança, segundo pessoas a par da situação. A oferta pública de ações do Bankia foi vista como um teste importante dos esforços do governo espanhol para estabilizar seu surrado setor bancário.

Um porta-voz do Bankia disse que o banco não tem conhecimento de qualquer papel do governo em sua oferta de ações. Alguns governos também estão pedindo aos bancos empréstimos.

Os empréstimos bancários para o setor público da Espanha aumentaram 14% nos primeiros nove meses do ano e atingiram um recorde de € 87 bilhões (US$ 115,7 bilhões), segundo o Banco da Espanha. É o único segmento do crédito que está crescendo, e ocorreu ao mesmo tempo em que a concessão geral de empréstimos caiu 2,6%, o maior declínio já registrado.

Este mês, por exemplo, as Ilhas Baleares, uma região espanhola altamente endividada, anunciou que obteve uma linha de crédito de € 100 milhões do Banco Santander SA . "Assinar este contrato não é a solução, mas pode nos ajudar a continuar cumprindo nossas obrigações, especialmente pagar nossos fornecedores, que têm sido prejudicados por todos esses problemas [financeiros]", disse o presidente da região, José Ramón Bauzá. (Colaborou Christopher Bjork.)