Título: Renúncia de Roriz é golpe
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Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2010, Opinião, p. 28

O empate na votação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições deste ano resumiu a ampla controvérsia nos meios jurídicos sobre a constitucionalidade da inovação legislativa. A questão havia sido proposta pelo candidato do Partido Social Cristão (PSC), Joaquim Roriz, ao governo do Distrito Federal. A invocação da Corte Suprema deu-se em recurso contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o inabilitou, com base na nova legislação, a disputar o pleito. O impasse no STF deixou a questão em aberto.

A reação de Roriz ao posicionamento da Suprema Corte foi ao extremo: renunciou à candidatura. Renúncia é ato unilateral que deve ser respeitado. Mas, no caso, não merece qualquer tipo de acatamento, pois não passa de trama para criar outra forma de escalar o poder. É o que fica evidente com a indicação da mulher, Weslian Roriz, para sucedê-lo na corrida ao Palácio do Buriti. Trata-se de astúcia que desborda de todos os princípios da lisura política e frauda a consciência eleitoral dos que pretendiam sufragá-lo nas urnas de 3 de outubro.

O nome da renúncia de Roriz é golpe. Golpe, explique-se, contra a moderação moral exigível dos políticos e a previsão dos eleitores, que vinculam a opção eleitoral às candidaturas. Golpe contra o modelo democrático de conquista dos cargos eletivos. O ex-governador raciocina na base de que, ausente do torneio eleitoral, basta outorgar procuração para que a esposa o represente. Se eleita, será ele mesmo quem governará. No mais, como não há tempo para mudanças, o nome de Roriz, número, retrato e partido figurarão nas urnas. Aqui há outro golpe: o de iludir a boa-fé dos que o imaginam ainda candidato.

Weslian Roriz, malgrado nada pese contra sua conduta, não exibe cabedal político para exercer o cargo de governador do Distrito Federal. Jamais ocupou função pública ou esteve na direção de programas de impacto administrativo. Se lhe falta histórico sobre envolvimento em questões governamentais, não está preparada para atender às cruciais demandas da sociedade. Jamais se apresentou para disputar postos eletivos.

Na América Latina, a única mulher que substituiu o marido no mando político foi Maria Estela Martinez de Perón, mais conhecida como Isabelita. Com a morte do general Juan Domingo Perón, em 1974, ela assumiu a Presidência da República argentina, na condição de vice-presidente eleita na chapa do caudilho. Outra coisa bem diferente é a ousadia de Roriz de mobilizar para substituí-lo no pleito a esposa, pessoa à margem de comando político e desprovida dos atributos que definem o administrador público.

É indispensável que o eleitor brasiliense esteja atento ao novo cenário eleitoral. O Distrito Federal ainda experimenta os efeitos nefastos dos esquemas de suborno e outras falcatruas que o abalaram este ano. Precisa resgatar a imagem que sempre o distinguiu no conjunto da Federação. Necessita, pois, de gestores conscientes dos problemas da população e comprometidos com a moralidade pública.