Título: Nove cidades-sede têm déficit de hotéis
Autor: Borges ,André
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2012, Brasil, p. A6

O turista que pretende ver os jogos da Copa de 2014 pode estar mais interessado em assuntos como a liberação de cerveja nos estádios, ou que cidades vai visitar durante as quatro semanas do mundial. Mas talvez seja recomendável gastar algum tempo extra para pensar em um lugar para dormir. Pelo menos nove das 12 cidades-sede que receberão os jogos têm hoje um déficit hoteleiro, se considerado o plano ideal de acomodações desenhado pela Fifa para 2014. Na prática, boa parte dessas cidades deverá recorrer a rotas alternativas, como hotelaria familiar, albergues, "bed & breakfast" e navios com dormitórios, para garantir hospedagem ao torcedor.

Os dados da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) apontam que, juntas, as 12 cidades-sede têm hoje 104,7 mil quartos de hotéis - não há informação sobre o número de leitos (camas) - que, segundo a instituição, se enquadram em um perfil de qualidade que atende às orientações da Fifa. É muito pouco se comparado ao histórico de ocupação hoteleira dos jogos.

Segundo a FBHA, a orientação da Fifa é de que cada cidade-sede tenha uma quantidade de leitos disponíveis equivalente a 30% da capacidade total de seu estádio. Se essa média for realmente tomada como parâmetro, seriam necessários nada menos que um total de 202,1 mil leitos nas 12 cidades. Para efeito de comparação, se metade dos quartos disponíveis atualmente tivesse dois leitos cada, o que seria um volume muito alto, o total de leitos seria de cerca de 160 mil unidades, ou seja, ainda faltariam outras 40 mil camas para acomodar os turistas.

Atualmente, apenas São Paulo e Rio de Janeiro têm uma oferta hoteleira tranquila. A situação de Curitiba também não é muito preocupante. Nas demais capitais, porém, o cenário se complica. Cuiabá, Manaus, Natal e Recife puxam a lista dos mais problemáticos.

Os números da FBHA, que contabilizam hotéis de duas a cinco estrelas, apontam que a oferta atual de Cuiabá é de 1.566 quartos. A arena Pantanal, no entanto, terá capacidade para acomodar 43,6 mil espectadores. Logo, no plano ideal seriam necessários ao menos 13 mil leitos na cidade.

Para Alexandre Sampaio, presidente da FBHA, Cuiabá está entre as sedes que terão de passar por uma forte adaptação. "A Fifa orienta que os hotéis devem ser localizados num raio de até 50 quilômetros dos estádios, mas no caso de Cuiabá, por exemplo, essa distância terá de ser ampliada", comenta. "O negócio hoteleiro não se sustenta apenas por conta de um evento. Estamos falando de algo que passa por dez anos de maturação. Cuiabá tem uma série de atrativos de turismo, por isso teremos que considerar uma distância de até 150 quilômetros dos estádios."

Complicada também é a realidade de Manaus. A cidade tem hoje 3.019 quartos disponíveis. Com uma arena para 44,3 mil pessoas, porém, seria recomendável ter uma estrutura para acomodar pelo menos 13,3 mil torcedores na Amazônia. "Opções com navios com dormitórios são uma saída bastante factível para Manaus, além de outras cidades dos Nordeste", comenta Sampaio.

Natal, que vai desembolsar R$ 400 milhões em seu estádio das Dunas, tem hoje 3,8 mil quartos, quando a demanda projetada será de pelo menos 13,5 mil leitos. Em Recife, onde há 3,7 mil dormitórios listados pela FBHA, estima-se a necessidade de quase 14 mil camas.

O assunto preocupa o Palácio do Planalto, que tem realizado reuniões regulares para tratar da situação. O Ministério do Turismo alega que a ampliação do número de leitos nas cidades-sede depende, essencialmente, da iniciativa privada. "Cabe ao Ministério do Turismo articular junto às instituições financeiras a liberação de linhas de crédito para fomentar a indústria hoteleira. Atualmente, entre a linha Procopa [do BNDES] e os Fundos Constitucionais, mais de R$ 2,5 bilhões estão disponíveis para o setor", informou o ministério, por meio de nota.

A simples oferta de crédito, no entanto, parece não resolver a questão. "A maioria das cidades tem oferta hoteleira extremamente reduzida. Por outro lado, os empresários têm receio de colocar dinheiro em projetos que depois se transformem em elefantes brancos", comenta José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco). "A resposta realmente está na iniciativa privada, mas a orientação vem de instituições governamentais. Está faltando alguém liderar esse processo."

A estimativa da FBHA é de que serão abertos, até o fim de 2015, cerca de 20 mil quartos nas 12 cidades-sede da Copa. Não há indicações, porém, de uma distribuição homogênea desses empreendimentos, como é possível notar nos contratos de reforma e construção já aprovados pelo BNDES (ver texto ao lado).

Apesar das limitações, Alexandre Sampaio, da FBHA, acredita que não faltará lugar para dormir durante os meses de junho e julho de 2014. "Além dos projetos de ampliação que estão em andamento, é preciso considerar que o setor também terá seu crescimento vegetativo. Vamos precisar apenas de alguns ajustes", diz.

Enrico Fermi Torquato, presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), também não vê razões para muita preocupação. "Precisamos de novos projetos hoje e essa ampliação está acontecendo, independentemente da Copa do Mundo", diz.

No fim do ano passado a Fifa divulgou uma lista de 700 hotéis, classificados com três a cinco estrelas, que devem hospedar os turistas durante a Copa de 2014. A relação traz uma descrição básica sobre os serviços oferecidos em cada hotel e a sua distância do estádio e do aeroporto, além de fotos e mapas.

O Ministério do Turismo estima que um total de 600 mil estrangeiros e 3 milhões de brasileiros deverão circular pelo Brasil no mês da Copa. No período, o país chegar a 7,8 milhões de viagens domésticas.

A Match Services, empresa contratada pela Fifa para cuidar da hospedagem dos membros da Fifa, do comitê organizador e de equipes participantes, informou que já conseguiu garantir "um volume suficiente de quartos de hotel" para atender às suas necessidades. Segundo a companhia, que está baseada na Suíça, também há "um estoque significativo de salas" que serão disponibilizados para venda a outros grupos de clientes da Fifa, como empresas de mídia e associados de seu programa oficial de hospitalidade.

"Onde existe uma demanda adicional, a Match irá tentar encontrar soluções com voos charter de outras cidades ou com inventários de quarto disponível em cidades vizinhas", informou a empresa. Perguntada sobre a orientação de que oferta de leitos está atrelada a 30% da capacidade dos estádios, conforme relatam os empresários brasileiros, a Match afirmou que isso não é uma regra da instituição.