Título: Traição premiada
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2010, Mundo, p. 30

Guerrilheiro das Farc levou botas com GPS a Mono Jojoy, ajudou o governo a matar o número dois do grupo e ganhará R$ 4,6 milhões como recompensa

Sete toneladas de explosivos foram lançadas na madrugada de quarta-feira sobre o bunker de Jorge Briceño Suárez, o Mono Jojoy. Mas o destino do comandante militar das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) começou a ser selado com uma traição. De acordo com a rádio colombiana RCN, a inteligência colombiana interceptou uma comunicação da guerrilha, na qual os rebeldes falavam sobre a necessidade de Jojoy obter sapatos especiais. O rebelde sofria de diabetes e a doença lhe agravara as bolhas dos pés. Um de seus homens de confiança recebeu das autoridades colombianas as botas com um dispositivo GPS localizador via satélite escondido.

Depois disso, o Exército passou a monitorar os movimentos de Jojoy e a conhecer detalhes preciosos sobre sua rotina. Foi uma operação cirúrgica, porque não objetivou desmantelar o acampamento, mas atingir seu objetivo. Sabíamos que ele tinha o costume de se levantar entre 1h (23h em Brasília) e 4h (2h em Brasília) para consultar documentos. Decidimos atacar às 2h, contou o ministro da Defesa, Rodrigo Rivera, em entrevista à emissora de rádio La W. Jojoy foi entregue por sua própria gente, confirmou. O GPS passou a transmitir sinais por vários dias, mas os indícios de movimento foram percebidos na última segunda-feira, quando o vice-líder das Farc caminhou até o acampamento onde seria morto dois dias depois.

O jornal El Tiempo divulgou que vários guerrilheiros ajudaram a repassar aos militares as coordenadas exatas do bunker de Jojoy e, por isso, receberão parte da recompensa de 5 bilhões de pesos colombianos (R$ 4,6 milhões). O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, autorizou a Operação Sodoma no último dia 16. Somente na madrugada da última quarta-feira, 72 aeronaves lançaram mais de 30 bombas inteligentes de 226kg cada sobre o acampamento situado na área de selva conhecida como La Macarena, no departamento (estado) de Meta. Três ondas de bombardeios expulsaram Jojoy de seu refúgio, um abrigo de 300m2 ligado a uma complexa cadeia de túneis. Quase 24 horas depois dos bombardeios, 400 dos melhores combatentes das forças especiais do Exército, da Marinha e da polícia desceram de rapel, a partir de helicópteros, e minaram focos de resistência.

O corpo de Jojoy tem um grande ferimento na parte da frente, entre outras lesões, e está coberto de lodo. Em um dos pulsos, foi encontrado um luxuosíssimo relógio de marca Rolex. Já temos a confirmação das impressões digitais. Está 100% confirmado de que se trata de Mono Jojoy, assegurou Rivera, que ontem fez questão de cumprimentar pessoalmente os soldados que participaram da Operação Sodoma, em La Macarena. Até o fechamento dessa edição, os médicos legistas ainda não haviam determinado se o guerrilheiro morreu em razão de disparos de arma de fogo ou dos bombardeios. Além de Jojoy, sete corpos foram levados ao Instituto de Medicina Legal de Bogotá cinco homens e duas mulheres. Segundo o jornal El Tiempo, o comandante vestia uma calça verde-oliva e um poncho branco e preto. Seu rosto estava inflamado e a calvície era mais evidente.

Sucesso Por e-mail, Vicente Torrijos, professor de ciência política e relações internacionais da Universidad del Rosario (em Bogotá), admitiu ao Correio que o uso de cooperantes e de recompensas é um ingrediente que melhor explica o êxito da política de segurança do presidente Juan Manuel Santos. Os guerrilheiros rasos preferem voltar à democracia e serem premiados, antes de se verem a ponto de perder a vida frente à contundente iniciativa militar do Estado ou de seguirem lutando por uma causa revolucionária impopular e sem rumo certo, comenta.

Torrijos crê que as Farc(1) continuarão sendo um grupo terrorista importante. Sua estrutura organizacional está muito desgastada. O Estado dispõe de um aparato estratégico muito refinado e a população rechaça radicalmente o uso da violência como método político, lembra. O especialista atribui a sobrevivência da guerrilha ao apoio de poucos governos simpatizantes. Um bom número de líderes se refugia atualmente na Venezuela, no Equador e na Nicarágua, acrescenta.

Para Carlos Nasi Lignarolo, diretor de pós-graduação do Departamento de Ciência Política da Universidad de Los Andes, a traição sofrida por Jojoy não pode ser vista em um contexto generalizado de deserção ou cooptação na guerrilha. O governo alega que as Farc estão completamente desmoronadas por dentro. Provavelmente, a morte dele foi influenciada também, em boa medida, pelo aparato tecnológico de espionagem das forças de segurança, admite. Ele diz ser prematuro inferir como as Farc reagirão e lembra que o grupo propôs um diálogo com Santos, cerca de 10 dias antes da Operação Sodoma.

1 - Rendição descartada No primeiro pronunciamento após a morte de Mono Jojoy, as Farc afirmaram que continuam reclamando uma oportunidade para a paz, não para a rendição. O único caminho é a solução política e pacífica para o conflito social e armado interno, e nela somos e seremos fator determinante, afirma nota divulgada pela Resistencia, revista oficial das Farc.

Entrevista - Luis Eladio Pérez

Nossa vida estava nas mãos dele Gregorio Marrero/AFP - 28/2/08

Em agosto de 2003, o senador Luis Eladio Pérez Bonilla, 57 anos, esteve frente a frente com Mono Jojoy, o comandante militar do Bloco Oriental das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Em entrevista ao Correio, o parlamentar colombiano se diz aliviado com a morte do rebelde e lembra que o próprio número dois da guerrilha foi quem ordenou a captura dele, da senadora Ingrid Betancourt e de Clara Rojas. Entre 10 de junho de 2001 e 28 de fevereiro de 2008, Luis Eladio viu-se refém das Farc. Jojoy era uma pessoa muito cruel

No cativeiro, o senhor escutava falarem em Mono Jojoy? Eu o vi uma vez, durante o cativeiro. Estávamos no acampamento, com Ingrid Betancourt e com Clara Rojas. Ele era uma pessoa muito fria e muito cruel. Nós sabíamos, de antemão, que nossas vidas estavam nas mãos dele. Foi um encontro muito rápido, durou uma hora. Queríamos falar com ele em termos políticos, mas Jojoy não permitiu e disse que voltaria. Nunca mais apareceu.

O senhor soube de histórias relacionadas à crueldade dele? Você quer história mais cruel do que termos ficado acorrentados a uma árvore por cinco anos? Que impacto a morte do líder guerrilheiro terá sobre as Farc? Eu senti um grande alívio quando escutei a notícia. É uma imensa felicidade para os colombianos, que se livraram de um homem tão cruel e malvado. Sem dúvida, as Farc sofreram um golpe muito duro. Ele era o chefe dos chefes da ala militar. Jojoy tinha uma influência enorme em toda a tropa. Todos os guerrilheiros tinham por ele respeito e admiração. Com esse golpe, o pouco de moral que restava às Farc acabou.

Existe o risco de a guerrilha retaliar com atentados? É possível que ocorra, mas isso não implica que a guerrilha tenha a capacidade de desestabilizar a sociedade colombiana. Poderemos presenciar incidentes isolados, nos quais um guerrilheiro apenas pode explodir uma bomba e causar a sensação de ser um grupo muito forte, poderoso e numeroso. Com um efetivo reduzido, a guerrilha terá dificuldades para se recuperar.

A denúncia de que Jojoy foi traído é um sinal de divisão das Farc? Claro! É um sinal de fragilidade absoluta. Obter informações dos seguranças do homem mais custodiado pelas Farc implica enfraquecimento total do grupo. Todo o aparato militar das Farc começa a se desmoronar. (RC)