Título: Receita para crescer ainda não é consenso
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Fonte: Valor Econômico, 01/08/2006, Neumann, Denise, p. A4

Marisa Cauduro/Valor Yoshiaki Nakano, da FGV: política macroeconômica deve perseguir mais crescimento e geração de empregos Dez entre dez brasileiros - seja ele cidadão, economista ou político - dizem que o país deve crescer. O consenso em torno de uma nova política macroeconômica, que permita um crescimento em níveis semelhantes ao que o país teve na década de 70 (5% a 8% ao ano) e por um longo período de tempo, porém, ainda não existe. Reunidos ontem pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), um grupo de seis economistas divergiu desde o diagnóstico até a receita capaz de assegurar um ritmo chinês para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em alguns casos, as diferenças são sutis; em outros, bem acentuadas.

Para o professor e deputado Antonio Delfim Netto (PMDB-SP) e para o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ajuste externo feito pelo Brasil é robusto e assim a vulnerabilidade externa é um problema resolvido (com ajuda do crescimento mundial). Para Yoshiaki Nakano, diretor da Faculdade de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e para Luiz Fernando de Paula, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ele ainda é transitório e instável. Por isso, eles defendem que o governo utilize alguma forma de controle de fluxo de capitais. Nakano vê essa possibilidade como transitória e eventual. De Paula acredita que um controle mais efetivo de entrada e saída de capitais ajudaria a reduzir a volatilidade da taxa de câmbio dando, assim, maior segurança ao exportador.

Diferenças de opinião também apareceram na avaliação da questão fiscal. Há consenso quanto à necessidade de reduzir a carga tributária - hoje em 38% do PIB - e cortar os gastos do governo. Nakano, porém, defende aumento forte corte dos gastos correntes com aumento do investimento público em infra-estrutura para algo entre 5% a 6% do PIB. E para ele, a questão não é fazer superávit primário, mas perseguir déficit nominal zero (que implica em menor gasto com juros). Já a economista Eliana Cardoso lembrou que os economistas ortodoxos batem na tecla de aumentar o superávit primário (além dos 4,25% estabelecidos como meta pelo governo federal).

Nakano é hoje um dos economistas que mais avançou na formulação de um modelo econômico alternativo ao que foi implementado no governo Fernando Henrique Cardoso e continuou em vigor, nas linhas gerais, no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Ontem, ao expor as linhas básicas do seu plano, ele lembrou que o atual modelo está baseado em superávit primário, taxa de câmbio flutuante e sistema de metas de inflação, onde o juro é o instrumento que contém os preços. Os objetivos desta política, diz Nakano, são limitados, pois ela olha apenas para a estabilidade de preços e financeira (da dívida). Ele quer que a macroeconomia estabeleça objetivos mais abrangentes e defina metas de crescimento e geração de emprego.

Dentro deste grande objetivo, ele propõe aumento de investimento público em infra-estrutura (para 5% a 6% do PIB), maior abertura comercial, aumento do investimento em infra-estrutura social e redução do peso do governo (cortar, no prazo de 10 anos, a carga tributária para 25% a 30% do PIB).

Para alcançar estes objetivos, defende Nakano, é preciso mudar os instrumentos atuais (ou o único instrumento atual, a taxa de juros). Ele defende um novo tipo de ajuste fiscal (ancorado em corte de gastos e definido para eliminar o déficit nominal em três anos), uma flutuação administrada do câmbio (inclusive com o Tesouro Nacional recuperando mecanismos para intervir neste mercado e não deixando apenas ao Banco Central esta tarefa), uma taxa de câmbio competitiva e capaz de manter sempre um pequeno superávit em conta corrente, e um novo mix de política monetária e endividamento. O objetivo, aqui, é reduzir fortemente as atuais taxas de juros e tornar a taxa interna semelhante à externa.

Delfim Netto não detalhou as mudanças que defende tanto quanto Nakano, mas ele está convencido de que a retomada do crescimento passa por um forte corte na taxa de juros (e para isso é preciso derrubar a "crença" de que o Brasil não pode crescer mais de 4% ao ano sem gerar inflação) e um corte igualmente importante na carga tributária (hoje acima de 38% do PIB), além de um novo programa para o financiamento da dívida interna. E ele continua convencido que mais crescimento não trará mais inflação.

Para Fernando de Paula, da UERJ, um dos grandes problemas da atual política macroeconômica é que ela tem um único instrumento (juro) para um único objetivo (combater a inflação). "A política macro deve ter um duplo mandato. Além de olhar para os preços, também deve mirar crescimento e geração de emprego", defendeu ele. Para isso, além de contar com a taxa de juros, em alguns casos, ele defende a adoção de mecanismos para restringir o fluxo de capitais.

Essa proposta recebeu forte oposição de Eliana Cardoso, que afirmou que "esse remédio já foi experimentado e sempre fracassou". Depois, De Paula replicou que isso não era verdade, que em vários países esse mecanismo foi utilizado, por um período definido de tempo, e deu resultados positivos na redução da volatilidade de suas moedas.

Luiz Carlos Mendonça de Barros partilha da avaliação de que o país fez um importante ajuste externo, mas ele teme o futuro (como Nakano). O risco do futuro, diz, pode vir do ajuste interno, cuja qualidade é inversamente proporcional a do externo (ou seja, é muito frágil). Ele teme que o investidor externo "invada" o mercado financeiro interno e assim promova outra "rodada de valorização cambial", que por sua vez traria de novo o risco de um déficit no balanço de pagamentos.

Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores, criticou os demais expositores por terem esquecido de apontar a importância de uma melhor distribuição de renda para um crescimento efetivo do Brasil.