Título: Leilões de energia elétrica e a racionalidade econômica
Autor: Sales, Claudio J. D.
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2006, Opinião, p. A10

No dia 29 de junho, o leilão de disputa entre geradores para a venda de energia elétrica que será entregue às distribuidoras em 2009, o chamado "Leilão A-3", confirmou as teses que empreendedores privados repetem desde 2003 sobre a necessidade de respeito à racionalidade econômica na concepção e implementação de regras competitivas.

Após as 16 horas do certame constatou-se o que os livros de economia ensinam: o preço é um resultado que expressa as forças de oferta e demanda; investidores racionais não podem ser cooptados a alocar seus recursos; artificialidades produzem distorções pagas hoje ou no futuro.

Os preços médios de venda para a energia de origem hídrica e térmica foram, respectivamente, R$ 126,8/MWh e R$ 132,4/MWh, resultando num preço médio ponderado de R$ 129/MWh.

Como referência, relembremos que o preço para a energia vendida nos chamados leilões de energia velha (energia proveniente de usinas já construídas) para entrega no mesmo ano de 2009 foi de R$ 95/MWh. Uma diferença de 35%. Portanto, os geradores detentores de usinas já construídas foram obrigados a aceitar em leilões anteriores, por força regulatória, uma perda de receita que não encontra nenhuma explicação racional. Como se dizia à época, o governo decidiu "pintar" de vermelho os elétrons de usinas existentes, de azul os de novas usinas, e impôs um ambiente de competição que, reforçado por arbitrariedades como a redução de demanda durante o leilão, produziu preços artificialmente baixos.

O resultado da artificialidade foi o não atendimento da demanda informada pelas distribuidoras, obrigadas, por lei, a atender a 100% do seu mercado. No leilão de dezembro de 2005, por exemplo, 50% da demanda para 2008 e 2009 ficou descoberta. Com o passar do tempo, dois fatores forçaram o governo a aceitar a racionalidade como algo inevitável.

O primeiro fator foi o esgotamento da reserva de energia proporcionada pelo racionamento de 2001. Os mesmos representantes do governo que até 2005 descartavam a idéia de um novo racionamento a partir de 2010 (já que há 36 meses não se havia iniciado nenhuma usina relevante) passaram a admitir publicamente que estavam "desesperados" para obter novas fontes de energia.

O segundo fator foi o fim da verdadeira arma de controle de preços da qual pôde se valer o governo via estatais federais. Eletronorte, Chesf e Furnas responderam por 64% do total da energia vendida no leilão de energia velha de dezembro de 1994, quando foram transacionados R$ 74 bilhões. O governo já não pode contar com a margem de manobra permitida pela "desova" de energia barata feita pelas estatais, que fecharam contratos de longo prazo com preços tão baixos quanto R$ 62/MWh. Para justificar seu comportamento, usaram o argumento economicamente equivocado e destruidor de valor da "energia amortizada".

-------------------------------------------------------------------------------- Governo não pode contar com margem de manobra pela "desova" de energia barata das estatais, que fizeram outros contratos --------------------------------------------------------------------------------

Curioso também observar os efeitos provocados pelo chamado preço-teto, que, nos patamares definidos pelo governo nos leilões passados, desafiou a Teoria dos Leilões. Em dezembro de 2005, no primeiro leilão de "energia nova", a competição foi iniciada com o teto de R$ 116/MWh para usinas hidrelétricas. O resultado, amplamente antecipado pelos analistas de mercado, foi uma seqüência de distorções econômicas.

A primeira distorção foi o bloqueio da entrada de várias usinas hidrelétricas enquanto se assistia à participação de 70% de usinas térmicas na venda total a um preço médio de R$ 127/MWh, 9,4% superior ao teto para hidrelétricas e que penalizou os consumidores com uma energia média mais cara.

A segunda foi a maciça participação das estatais como vendedoras. Por aceitarem as baixas taxas de retorno resultantes do baixo preço-teto, responderam por 70% da energia ofertada. Uma análise recente do BNDES escancara a diferença de postura entre estatais e privadas quando o tema é rentabilidade dos investimentos. Foram adquiridas, no mesmo leilão de dezembro de 2005, sete novas usinas hidrelétricas. As três usinas compradas pelas estatais Furnas e Eletrosul proporcionaram uma taxa interna de retorno ponderada de 8,1%. Enquanto isso, as quatro usinas compradas por um consórcio privado-estatal e dois empreendedores privados obtiveram um retorno de 15%.

Já no leilão passado houve o aumento do preço-teto para R$ 125/MWh. Com esse número, mais próximo de investimentos economicamente sustentáveis, notou-se sensível mudança no perfil do leilão, com 55% de participação privada. Dos 45% de energia vendida por estatais, as térmicas da Petrobras responderam por 19% e as hidrelétricas da CEMIG e CESP por 26%. A maior racionalidade também viabilizou a maior quantidade de energia de origem hídrica, com 75% da oferta total. Será que se esse preço maior já tivesse sido adotado desde dezembro de 2005 os problemas já não teriam sido resolvidos e algumas usinas já estariam sendo construídas? Todos perderam com a teimosia governamental. Nos leilões anteriores, a combinação de regras ruins e assunção de projetos de baixa rentabilidade pelas estatais afastou o empreendedor privado e nos deslocou de um cenário confortável para uma situação que não permitirá erros.

Como no máximo 40% dos US$ 7 bilhões em investimentos anuais necessários para a expansão de energia elétrica poderão ser assumidos pelas estatais, está na hora de o governo reforçar as condições para, de fato, atrair recursos privados na velocidade necessária.

As opções de expansão estão ficando limitadas. Se os 2.500 MW - médios adicionais de energia - não forem viabilizados para 2011, o país terá que frear seu crescimento econômico ou pagar mais caro pela energia, já que serão necessárias medidas emergenciais.

Esperemos que as lições tenham sido aprendidas e sejam praticadas com a humildade de quem deve colocar o espírito público e a segurança da oferta de energia acima de ideologias e orgulhos pessoais.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil. E-mail: claudio.sales@acendebrasil.com.br