Título: As regras de formulação de uma política macroeconômica
Autor: Nakano, Yoshiaki
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2006, Opinião, p. A11

Existe um longo caminho entre modelos econômicos e formulação de políticas consistentes e capazes de atingir os objetivos da sociedade. Ao economista aplicado cabe selecionar a teoria econômica adequada e adaptá-la para problemas práticos; transformar a forma teórica, respeitando as regras de consistência e adequando ao problema e à realidade que o formulador de política econômica enfrenta, respeitando regras de relevância prática e empírica. Existem regras gerais de consistência consagradas na literatura econômica que permitem fazer julgamentos sobre as políticas macroeconômicas. É disto que tratarei neste artigo.

No início dos anos 50, Tinbergen estabeleceu sua famosa e fundamental regra: para alcançar um objetivo é necessário um instrumento eficaz, e para atingir diversos objetivos independentes é necessário pelo menos um número igual de instrumentos.

No início dos anos de 60, Robert Mundell, analisando economias abertas, estabeleceu regras de consistência adicionais e específicas para a política macroeconômica. Primeiro, o princípio da eficácia, no qual o instrumento deve ser capaz de influenciar suficientemente a variável-objetivo e deve ser alocado para aquele objetivo sobre o qual exerce maior impacto. Segundo, o princípio da estabilidade, segundo o qual a utilização dos instrumentos de política não deve desencadear movimentos desestabilizadores na economia. Terceiro, a regra de Tinbergen é condição necessária, mas não suficiente para estabelecer uma solução para o problema de formulação de política econômica. Para o sucesso da política é necessário independência entre os objetivos; inexistência de múltiplas soluções e equilíbrios; e que as soluções de políticas se localizem numa faixa exeqüível, pois instrumentos podem ter limites e restrições e variabilidade.

E, finalmente, Mundell formulou o trilema da política econômica. Numa economia aberta, a escolha de um instrumento ou objetivo impõe restrições sobre outros, tornando impossível obter, simultaneamente, os três objetivos: livre mobilidade de capitais; taxa de câmbio fixa; e autonomia para fazer política monetária voltada para objetivos domésticos. Por exemplo, numa solução de extremos, a escolha da livre mobilidade de capitais do exterior e taxa de câmbio fixa impõe restrições à política monetária, tornando obrigatória sua utilização para eliminar qualquer flutuação cambial, sendo impossível utilizá-la para outros objetivos. É possível, entretanto desenhar soluções intermediárias, procurando respeitar restrições.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso formular políticas de acordo com nossos problemas; os objetivos reais da economia estão ficando de fora da política macroeconômica convencional --------------------------------------------------------------------------------

Na realidade, quando se fala em política econômica, trata-se de um sistema com determinada estrutura que engloba um conjunto interligado de instrumentos e objetivos, na qual um instrumento, muitas vezes, afeta mais do que um objetivo e, numa estrutura hierárquica, objetivos são instrumentos para atingir objetivos num outro nível, numa seqüência para o objetivo final.

Vamos exemplificar a utilização dessas regras para avaliar as políticas. Tomemos apenas a regra de Tinbergen. Um exemplo de inconsistência é a atual política macroeconômica, ao atribuir à livre flutuação cambial, um único instrumento, duas funções: equilibrar transações correntes do país e absorver choques externos nas contas de capital. São obviamente inconsistentes, segundo essa regra. Certamente um dos objetivos não será alcançado, podendo gerar instabilidades e crises.

Analisemos agora a consistência global da política macroeconômica. Todos concordam que o objetivo final da política macroeconômica deve ser o de aumentar o bem-estar material da sociedade e dos indivíduos, e que isto pode ser mensurado pelo crescimento do PIB per capita e nível de emprego. Para alcançar este objetivo, além de condições institucionais e políticas é fundamental a existência de um ambiente favorável à atividade produtiva, particularmente a estabilidade macroeconômica. A estabilidade só pode ser obtida se houver equilíbrio interno e externo. O requisito mínimo para ter o equilíbrio interno seria estabelecido com a demanda agregada de bens e serviços igualando a oferta potencial de bens e serviços, garantindo assim a estabilidade de preços ou controle da inflação num nível aceitável. O equilíbrio externo seria alcançado com equilíbrio do balanço de pagamentos, de forma que um eventual déficit (superávit) nas transações correntes do país com o exterior pode ser coberto pela conta de capitais com a entrada (saída) de capitais financeiros. Mas, com o grande crescimento e integração do mercado financeiro global, os fluxos de capitais não têm o caráter complementar às transações correntes do passado e têm autonomia e impõem restrições sobre outros instrumentos.

Assim, temos quatro objetivos básicos de política macroeconômica: crescimento/emprego; estabilidade de preços; saldo de transações correntes; saldo na conta de capitais. Os instrumentos convencionais de política macroeconômica são três: política fiscal; cambial e monetária. Como respeitar a regra de Tinbergen?

Nos países desenvolvidos, a política macroeconômica convencional resolveu o problema de consistência, pois foi desenhada para países desenvolvidos nos quais o estoque de capital produtivo é mais do que suficiente para empregar toda a força de trabalho, portanto o crescimento depende do aumento de produtividade deste último fator. Desta forma, a política macroeconômica administra a demanda agregada tendo como objetivo o produto potencial da economia, que corresponde à taxa de desemprego considerada natural, pois estabiliza o custo unitário de trabalho e os preços, conciliando assim os objetivos de estabilidade de preços e emprego. Na verdade, o seguro desemprego é o instrumento adicional para alcançar plenamente o objetivo pleno emprego. Com isso, a política macroeconômica convencional tem um viés estabilizador ou caráter deflacionário, priorizando claramente a estabilidade financeira.

Os objetivos do lado real da economia de acelerar o crescimento e de gerar emprego, problemas prioritários dos países em desenvolvimento, ficam fora dos objetivos da política macroeconômica convencional. Isto nos remete à questões anteriores de seleção da teoria econômica relevante, formular políticas relevantes e consistentes para nossos problemas.