Título: A mentalidade militar árabe
Autor: Rubin, Barry
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2006, Opinião, p. A11

Um aspecto fundamental do ato de vencer uma guerra é definir os objetivos. Esta afirmação se aplica especialmente aos combates em curso em Gaza e no Líbano. Ao tentar fazer demasiado - ou acreditando ser possível realizar mais do que é possível - o resultado poderá ser fracasso e certamente será frustração.

Neste caso, o erro é pensar que Israel pode destruir o Hezbollah ou eliminá-lo como uma entidade política e militar. Alegar o contrário favorece a posição do Hezbollah, Síria e Irã, que querem definir a sua vitória como a sobrevivência do Hezbollah.

Definir a vitória como sobrevivência meramente é um padrão muitas vezes típico da política árabe, o que é desastroso e sensato ao mesmo tempo. É desastroso porque arrisca ser derrotado ao atacar forças superiores: a Guerra dos Seis Dias de 1967, o desafio de Saddam Hussein aos EUA e seu ataque contra o Irã, Yasser Arafat travando um combate interminável no qual era sempre derrotado, e assim por diante. O lado árabe é deixado com enormes perdas em baixas e em material, como mais uma vez está acontecendo com o Líbano e os palestinos.

Mas o que é em grande medida uma derrota em termos práticos e militares também pode ser considerado uma vitória política. Os árabes jamais "perdem" porque eles nunca se rendem. Assim, formalmente eles não precisam renunciar a nada. Os líderes que causaram o fracasso e os grupos que não triunfaram se tornaram heróis por terem conseguido alegar que combateram o inimigo corajosamente sem serem aniquilados. Os pontos importantes para eles são que obtiveram vingança causando danos, que mostraram que são homens de verdade, que não se curvaram, e sobreviveram.

Esse padrão é uma fórmula para conflitos e derrotas intermináveis. Derrotas, porém, não forçam atitudes políticas ou líderes novos. A "lição" pragmática continua não sendo aprendida, pois quem adota essa opinião percebe uma lição diferente.

Isso explica porque o tipo de tática que funciona bem em conflitos em outros lugares do mundo não funciona no Oriente Médio. As regras do jogo seriam assim: o lado que perde admite que é mais fraco e chega a um acordo envolvendo concessões para evitar outro conflito custoso. O lado mais forte desta forma conquista [poder de] dissuasão, porque o reconhecimento do seu poder impede que o outro lado vá à guerra, para começar. No desejo de evitar a guerra, todos os lados resolvem disputas por meio de entendimento mútuo, encerram o conflito para sempre e prosseguem para tratar de outras coisas.

O Hezbollah e o Hamas, por outro lado, prosperam tendo a luta como um fim em si. O Hezbollah e seus amigos, sobretudo, se apresentam como vitoriosos absolutos, não importa o que aconteça. E milhões de árabes e muçulmanos, que recebem a propaganda do regime e dos meios de comunicação, acreditam neles.

-------------------------------------------------------------------------------- Se instituições internacionais ou o Líbano não fizerem nada, Israel ainda atacará qualquer força do Hezbollah que tentar se aproximar e cruzar a fronteira --------------------------------------------------------------------------------

A causa que está na base do conflito não é que o Hezbollah ou o Hamas têm queixas contra Israel, e sim que eles consideram os judeus assassinos de profetas, imperialistas desumanos, cujo Estado precisa ser eliminado do mapa. Acordos formais de cessar-fogo ou soluções políticas são inconcebíveis. Ao mesmo tempo, o conflito lhes confere mais dinheiro, poder e glória. Qualquer perda ou sofrimento decorrentes - exceto talvez o infligido aos líderes pessoalmente - é indiferente.

Israel, por sua vez, conquistará uma vitória política e militar objetiva, porém não será capaz de destruir o Hezbollah por vários motivos. Primeiramente, o Hezbollah tem o apoio da maioria dos libaneses xiitas, que compõem aproximadamente 40% da população. Os xiitas apóiam o Hezbollah por que ele apela para o seu senso de orgulho comunal, representa os seus interesses internamente e desperta as suas paixões religiosas. Os combates atuais não erodirão esse apoio, que considera a resistência à Israel como uma vitória em si.

Em segundo, o Irã e a Síria continuarão apoiando o Hezbollah, porque fazê-lo lhes confere prestígio, influência no Líbano e uma forma de atingir Israel, sem custo. Seu apoio inclui não só armamentos, como também subsídios financeiros que permitem ao Hezbollah comprar apoio popular.

Por fim, uma grande parte dos recursos e forças do Hezbollah estão fora do raio de ação de Israel. Portanto, só uma forte ação executada por grupos libaneses poderá destruir o Hezbollah. Eles não atuarão, porém, pois temem uma guerra civil e usam o Hezbollah de forma oportunista para promover os seus próprios objetivos ou ambições. Por exemplo, a atual liderança cristã é uma aliada política do Hezbollah, ainda que este tenha sido contrário e o primeiro tenha sido favorável à ocupação continuada do Líbano pela Síria.

Naturalmente, a maioria dos demais libaneses está insatisfeita pelo fato de o aventureirismo do Hezbollah ter arrastado o seu país para a guerra e infligindo uma enorme destruição. Muitos desejam secretamente que Israel destrua o Hezbollah e os livrem do seu problema. Eles nada farão para ajudar, porém, assegurando, assim, a continuação do problema.

Há, contudo, duas metas realizáveis que Israel pode alcançar. A primeira é manter o Hezbollah longe da fronteira. Idealmente, as forças armadas libanesas e o governo entrariam na área e a administrariam como parte do seu país. Alternativamente, outra força internacional poderá ser capaz de conseguir mais do que os seus antecessores, que na sua maioria acenaram para os terroristas que passavam. Mesmo se as instituições internacionais ou o Líbano não fizerem nada, Israel atacará qualquer força do Hezbollah que tentar chegar perto demais para cruzar a fronteira ou disparar foguetes contra civis israelenses.

O segundo objetivo alcançável é impor um preço tão elevado ao Hezbollah a ponto de ser uma dissuasão eficaz na prática. O Hezbollah continuará insistindo publicamente que anseia por outro confronto, gritará desafios e alegará vitória. Ao mesmo tempo, porém, ela restringirá as suas ameaças ao nível verbal. Mais do que isso não pode - e não deve - ser esperado.

Barry Rubin é diretor do Centro Gloria, na Universidade Interdisciplinar de Israel, e editor do Middle East Review of International Affairs (Meria). Seu livro mais recente é "The Long War for Freedom: The Arab Struggle for Democracy in the Middle East" ("A prolongada guerra por liberdade: a luta árabe pela democracia no Oriente médio"). © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org