Título: Furacões "arrasam" as apólices nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 16/06/2006, Finanças, p. C8

A chegada do verão no hemisfério norte, tão ansiosamente aguardada por muitos, é uma época agourenta para milhões de pessoas que vivem no chamado cinturão dos furações nos Estados Unidos. Segundo as previsões, a temporada de tempestades de 2006 poderá ser tão ruim quando a do ano passado.

Enquanto milhares de pessoas ainda não conseguiram retornar para suas casas danificadas ou destruídas, aqueles que tiveram tal sorte no ano passado se preparam agora para a possibilidade de mais tempo ruim pela frente. Em quartéis do corpo de bombeiros, asilos e igrejas da região, as cidades estão realizando "feiras" de preparação para os furacões que se aproximam.

Do Texas à Flórida e subindo a costa leste, um dos problemas mais difíceis para os proprietários de imóveis próximos do mar é o seguro. No ano passado, depois de 2004 já ter sido um ano fraco, tempestades provocaram perdas recordes de US$ 54,8 bilhões para as seguradoras, segundo o Insurance Information Institute, um grupo setorial. Desse total, o furacão Katrina respondeu sozinho por mais de US$ 38 bilhões.

Escaldadas, as seguradoras estão reduzindo sua exposição às áreas costeiras. A Allstate, uma das maiores seguradoras de imóveis e propriedades dos Estados Unidos, parou de subscrever apólices para proprietários de residências na Flórida, Louisiana e partes do Texas e Nova York.

A State Farm, outra grande seguradora, não renovou algumas apólices. Em abril, a Poe Financial, quarta maior seguradora pessoal da Flórida, quebrou, deixando 316 mil detentores de apólices sem cobertura. Um novo relatório da agência de classificação de crédito Fitch chama o mercado de seguros da Flórida de "extremamente frágil". Mais para o norte, este mês a National Grange começou a informar a seus clientes de Cape Cod, no Estado de Massachusetts, que não vai renovar suas apólices.

Isso é mau agouro para os proprietários de imóveis porque a National Oceanic and Atmospheric Administration, um órgão do governo federal americano encarregado de monitorar as condições climáticas, afirma que até 17 tempestades tropicais poderão se formar no Oceano Atlântico este ano. Ela acredita que até dez delas poderão se transformar em furacões. William Gray, meteorologista da Colorado State University, prevê 17 tempestades que receberão nomes, menos que o total do ano passado, que foi de 27, mas ainda assim um número grande. A Flórida, o Estado ensolarado, possui o maior valor de imóveis expostos a furacões, seguido do Estado de Nova York.

Diante dessa ameaça, os proprietários de residências que podem conseguir uma cobertura do seguro se deparam com taxas muito maiores. Alguns prêmios subiram até 200%. As seguradoras primárias atribuem parte desse aumento aos maiores preços cobrados pela resseguradoras (que fornecem seguros para as seguradoras).

Muitos moradoras não conseguem cobertura privada de nenhum tipo. Como resultado, os planos de seguros apoiados pelo Estado, que deveriam fornecer cobertura de última instância, estão tendo uma procura enorme. A Citizens Property Insurance, um pool administrado pelo Estado da Flórida, poderá acabar com mais de 1 milhão - talvez até 1,5 milhão - de apólices este ano, ante 850 mil no fim de abril. A Citizens, que teve um déficit combinado de US$ 2,2 bilhões nos últimos dois anos, está repondo essas perdas com aumentos nas taxas, um imposto cobrado sobre as apólices de seguros residenciais feitas com seguradoras privadas, e outros recursos previstos na legislação estadual.

A preocupação disseminada está provocando uma discussão sobre quem deveria pagar pelos danos provocados por tempestades no futuro. Os americanos migram pelas costas dos oceanos Pacífico e Atlântico há décadas, apesar dos riscos. Prêmios de seguros elevados, ou a falta de cobertura, refletem esses riscos: em tese, isso deveria desencorajar as pessoas de viverem nas regiões costeiras. Mesmo assim, milhões de pessoas ainda estão determinadas a viver nessas áreas, esperando receber cobertura do Estado caso as seguradoras privadas se recusem a fazer isso.

Robert Litan, economista da Brookings Institution, afirma que as seguradoras privadas não têm como suportar perdas na escala infligida pelo Katrina. Ao invés disso, o governo federal arca com as perdas provocadas por grandes catástrofes. Litan pede a criação de um programa federal de resseguros de catástrofes que forneça "seguros de contenção" contra grandes perdas. Ele diz que isso seria mais justo e mais eficiente do que a ajuda pós-desastre vista no passado. O problema é que isso serviria para encorajar ainda mais a migração para as regiões costeiras.

Os furacões não são o único motivo das seguradoras terem o tempo sempre em mente. O Lloyd's, o grande mercado segurador de Londres, emitiu um relatório sóbrio em 5 de junho, afirmando que a indústria se seguros precisa reavaliar, em âmbito mundial, seus modelos de subscrição, capital e formação de preços, para que eles reflitam as mudanças do clima ou os riscos. O tipo de modelos de catástrofes que o Lloyd's está sugerindo são usados cada vez mais por seguradoras privadas para ajudá-las na determinação dos riscos que elas estão dispostas a cobrir, e a que preços. A Fitch observa que em 1992, antes da disseminação desses modelos, dez seguradoras quebraram por causa do furacão Andrew. No ano passado, apesar das piores perdas já registradas com catástrofes de qualquer tipo, apenas três seguradoras americanas fecharam as portas.

Mesmo assim, aqueles que constroem os modelos admitem que eles subestimaram os danos resultantes das tempestades do ano passado. A RMS, uma das principais firmas de modelagem de catástrofes, anunciou um modelo completamente revisto poucas semanas atrás. A companhia acredita que um número maior de grandes furacões poderá atingir os EUA nos próximos cinco anos. Ela elevou suas projeções sobre as perdas provocadas por furacões para a Flórida, a região do Golfo do México e o resto do sudeste dos EUA em cerca de 40%.

As seguradoras primárias americanas, além de suas resseguradoras globais, estão agora calculando seus próprios números através desses modelos para atualizar as apólices subscritas. Provavelmente nada disso será um bom presságio para os proprietários de imóveis da Flórida.