Título: Fugindo da Ficha Limpa
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2010, Cidades, p. 41

Falta de decisão do STF é criticada por juristas, que classificam a renúncia de Roriz como uma tentativa de escapar dos efeitos da norma

A retirada da candidatura de Joaquim Roriz (PSC) ao Governo do Distrito Federal intrigou representantes de entidades que contribuíram para a aprovação da Lei da Ficha Limpa e defendem sua aplicação nas eleições deste ano. A interpretação é de que a manobra do ex-governador foi feita na tentativa de escapar da possível decisão que confirmará sua inelegibilidade. Juristas ouvidos pelo Correio criticaram o impasse no Supremo Tribunal Federal (STF), que nada decidiu sobre o alcance da legislação. Sustentaram que, independentemente de a definição sair até as eleições, a população incorporou a finalidade do projeto: barra os fichas sujas, direta ou indiretamente.

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, Roriz desistiu da disputa para, claramente, fugir dos efeitos da Lei da Ficha Limpa. Ele acredita que a ausência de decisão do Supremo nas sessões de quarta e quinta-feira que juntas somaram quase 14 horas de duração levou o então candidato a refazer planos. Agora, os eleitores decidirão se votam ou não na mulher dele. Lembrando que, ao votar nela (Weslian), estarão elegendo ele (Roriz), afirmou.

Cavalcante avalia que a situação instalada no DF não é boa para a democracia. Evitando opinar especificamente sobre o caso de Roriz, ele destacou que o eleitor precisa ser criterioso e adotar uma postura tranquila na hora de votar. É preciso ver quem são os candidatos efetivamente compromissados e rejeitar manobras eleitorais feitas para alcançar o poder e não para engrandecer o processo político, comentou.

O presidente nacional da OAB defende que o Supremo volte a analisar o quanto antes a aplicação da Lei da Ficha Limpa, mesmo que os advogados do ex-governador do DF desistam do recurso apresentado no STF. Ao comentar a suspensão do julgamento na madrugada de ontem, ele afirmou: Foi a pior das soluções possíveis. Cavalcante defende que a continuidade da discussão não pode ficar refém do preenchimento da vaga do décimo primeiro ministro da Corte. O caso de Roriz não é o único. Eles (os ministros) terão de tomar uma decisão definitiva logo.

Eficácia da lei O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, lembrou que nada impedia Roriz de retirar a candidatura e passar o bastão para a mulher, Weslian . A legislação permite isso, não há ilegalidade, reforçou. A AMB foi uma das entidades que liderou a elaboração do projeto de iniciativa popular que originou a Lei Ficha Limpa. Para Valadares, a desistência de Roriz pode ser encarada como resultado da eficácia da legislação. Não deixa de ser um reflexo da lei. Já é um ganho, avaliou.

No entanto, o magistrado considera que a mudança da chapa a oito dias das eleições provoca dúvidas no eleitorado. Infelizmente, vamos ter que conviver com essa situação (de Roriz aparecer nas urnas, mesmo não sendo candidato). Não é o ideal. A democracia está pautada em cenários bem claros e definidos, argumentou, antes de também pedir agilidade ao Supremo no julgamento.

Igualmente frustrado com a falta de definição no julgamento desta semana, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, culpa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela criação do imbróglio jurídico. Até acho que foi uma decisão prudente a do STF, já que falta um ministro. O que não pode é o presidente da República demorar tanto tempo quase dois meses para escolher um nome.

Na avaliação de Wedy, a renúncia de Roriz só se deu por conta do empate em 5 x 5 no julgamento do Supremo, provocado pela ausência de um ministro. Se o décimo primeiro membro da Corte tivesse sido nomeado, nada disso teria acontecido. Sem a decisão final, há uma insegurança jurídica muito grande para o eleitor e para os candidatos atingidos pelos efeitos da legislação, comentou. A demora de Lula em dar posse ao novo integrante(1) do STF também foi criticada pelo presidente da AMB.

O Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, também demonstrou preocupação com o quadro político do DF. Brasília passou por momentos difíceis em 2010. Seria uma boa hora para uma demonstração de maturidade política. Infelizmente, não é isso que estamos vendo com relação a alguns fatos. O quadro segue preocupante, a capital do país merece sobriedade, disse. Antes de saber da renúncia de Roriz, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, engrossou o coro de reclamações sobre o impasse no Supremo. Não é conveniente quando estamos a pouco mais de uma semana das eleições.

1 - Recorde O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o que mais indicou ministros para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da redemocratização. A saber: Cezar Peluso (2003), Carlos Ayres Britto (2003), Joaquim Barbosa (2003), Eros Grau (2004), Ricardo Lewandowski (2006), Cármen Lúcia (2006), Carlos Alberto Menezes Direito (2007) falecido em setembro do ano passado , e José Antônio Dias Toffoli (2009). O segundo chefe do Executivo que mais nomeou foi José Sarney, com cinco indicações, seguido de Fernando Collor de Mello, com quatro.

O número 62 Candidatos a deputado distrital considerados inaptos pelo TRE-DF

Colaborou Diego Abreu