Título: Independência do BC: a unanimidade em questão
Autor: Lima, Luiz Antônio de Oliveira
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2006, Opinião, p. A6

Certa vez Winston Churchill observou que quando colocava um problema para dois economistas, recebia sempre duas respostas diferentes, a menos que um deles fosse Lord Keynes, quando recebia três respostas. A observação de Churchill torna-se mais pertinente, quando sabemos que Keynes foi o mais importante economista do século XX. Espantosamente, no entanto, verifica-se que nos últimos quinze anos tem ocorrido uma unanimidade, entre os economistas, sobre a importância de se ter um banco central independente.

Uma primeira explicação possível para essa adesão categórica seria de que a adoção da independência dos bancos centrais, a partir dos anos 1990 (o primeiro banco central chamado independente data de 1989, o Banco Central da Nova Zelândia), esteve ligada ao controle da inflação prévia dos anos 80. Tal idéia, no entanto é inadequada, pois o movimento pela independência só ocorreu quando essa inflação havia deixado de ser um problema imediato. Assim, em discussão de 1984 sobre o papel dos bancos centrais nesse processo, o presidente do Bundesbank, Helmut Schlesinger, não mencionou, sequer uma vez, a importância da independência de tais instituições.

Uma explicação alternativa à explicação da suposta eficácia seria de que a idéia da independência decorreu de uma "revolução científica", que teria ocorrido no campo da "ciência econômica" e que alguns identificam como o reconhecimento da importância da "credibilidade" para o banco central conseguir seus objetivos de estabilização. Em sua forma extrema, tal idéia estabelece que se o banco central tiver "credibilidade absoluta" poderá realizar uma política de desinflação sem custos transicionais de desemprego. Supondo-se que a inflação de hoje dependa principalmente de uma inflação esperada, o anúncio pelo Banco Central de uma campanha antiinflacionária reduziria imediatamente a elevação dos preços. Porém, tal credibilidade só seria obtida se o banco central fosse independente de influências "oportunistas".

Em relação a tais argumentos, dificilmente pode-se aceitar que a idéia da "independência" dos BCs seja uma idéia revolucionária, pois já havia sido considerada anteriormente ao período de sua atual preponderância, sem que tivesse sua adoção recomendada. Assim, Robert Gordon, em 1975, a menciona brevemente; William Nordhaus, no mesmo ano, considerou a independência como um possível antídoto ao "ciclo econômico-político", mas admitiu o planejamento indicativo como um remédio mais adequado. Em 1976, Assar Lindbeck havia considerado difícil sugerir mudanças no sistema político capazes de reduzir a inflação e colocava a despolitização do banco central, como uma alternativa, porém menos adequada que a desejabilidade de uma coalizão governamental e o "timing" adequado das eleições.

-------------------------------------------------------------------------------- Dissidentes são uma ameaça aos economistas enquanto "cientistas" e ao alegado status da economia como ciência --------------------------------------------------------------------------------

Além disso, conceito de credibilidade não é uma variável "zero ou um", mas contínua; pode se ter mais ou menos, pois como observou Allan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve, a credibilidade antiinflacionária dessa instituição era muito maior em 1999 do que a que tinha em 1979, e tal foi conseguida sem que tivesse havido, nesse período, nenhuma alteração de regime. Na verdade, observou, a credibilidade se adquire toda vez que há uma correspondência entre atos e palavras, e não por decretos. Paul Volker abandonou o monetarismo em 1982-83 sem perder "credibilidade", isto é sem criar receio que tivesse desistido da luta antiinflacionária. Ainda citando os trabalhos empíricos de Fisher, Posen e Fuhrer, Blinder mostra que não há evidências de que os bancos centrais independentes puderam realizar uma política antiinflacionária sem os mencionados custos transicionais de desemprego.

Um economista e professor de Oxford, James Forder, levantou algumas hipóteses sobre a referida unanimidade dos economistas. Inicialmente, bancos centrais, independentes ou não, têm claro interesse em aumentar seu poder e, como dispõem de consideráveis recursos para promover seminários e papers, criam incentivos para que as conclusões destes sirvam ao fortalecimento desse interesse. Outra consideração ligada a estes fatos é a prática comum em muitas economias de os bancos centrais apontarem economistas acadêmicos para suas comissões de política monetária, com todo o prestígio que isto pode lhes trazer. No Brasil, a presença em tais conselhos tem sido o caminho mais rápido para os economistas ascenderem à direção dos bancos privados. É difícil imaginar, neste contexto de unanimidade, que alguém contrário à independência pudesse ser convidado para tais posições.

Ainda segundo Forder, os economistas têm sido muito criticados não só por insucessos na formulação de políticas econômicas, como também por sua insensibilidade para os problemas sociais decorrentes de tais políticas. Um argumento usado para responder a tais críticas é que as políticas propostas perdem sua eficácia porque os BCs ainda não são "independentes" e, portanto, são incapazes de escapar às imposições políticas de curto prazo , que atrapalhariam a "lógica dos mercados".

Finalmente, uma consideração adicional seria a de que as decisões dos bancos centrais independentes, na medida em que devem se basear, segundo a teoria econômica neoclássica, nas "leis naturais dos mercados", reforçariam o status de ciência da Economia, uma vez que nenhum princípio valorativo estaria norteando tais decisões. Neste caso, os dissidentes da idéia da independência constituir-se-iam em uma ameaça para os economistas, enquanto "cientistas", e para o alegado status da economia como disciplina científica. A marginalização de tais dissidentes, especialmente nas principais universidades americanas e nas revistas do "establishment" acadêmico, reforça tais hipóteses. De qualquer maneira, considerando-se a experiência americana acima mencionada, as hipóteses de Forder, envolvendo poder e status, parecem ser muito mais adequadas para a explicação unanimidade em torno da independência dos bancos centrais do que as simples explicações econômicas.

Luiz Antonio de Oliveira Lima é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP). As opiniões do autor não refletem necessariamente a posição dessa instituição.