Título: Impacto da política fiscal sobre a demanda causa controvérsia
Autor: Lamucci,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2012, Brasil, p. A4

A política fiscal pressiona mais a demanda do que sugere o número oficial do superávit primário (o resultado das contas públicas sem incluir gastos com juros), diz o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. Para ele, o desempenho fiscal de 2011 não foi contracionista como indica o cumprimento da meta de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) pelo setor público consolidado, formado por União, Estados e municípios e estatais, com exceção da Petrobras e da Eletrobrás. O BC, com isso, superestima o papel da política fiscal para controlar a demanda, afirma o economista, sócio-diretor da Schwartsman & Associados.

Num cálculo de Schwartsman que exclui receitas obtidas pelo pagamento de dividendos e de concessões e despesas atípicas, como as referentes à criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB), o superávit do ano passado teria sido de 2,5% do PIB. Ainda que superior ao 1,1% do PIB de 2009 e ao 1,2% do PIB de 2010, o resultado ficou consideravelmente abaixo da média de 3,2% do PIB registrada entre 2003 e 2008, também na série ajustada.

Schwartsman fez esse cálculo para tentar chegar a um número de superávit primário que reflita mais adequadamente o impacto da política fiscal sobre a demanda. Num momento em que o BC conta com o cumprimento da meta de 3,1% do PIB também neste ano para continuar a cortar os juros, o assunto ganha relevância.

O pagamento de dividendos ao Tesouro por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumenta a receita do setor público, mas não retira recursos do setor privado, como ocorre com a arrecadação tributária. Não há, desse modo, um impacto contracionista sobre a demanda.

O ponto é que, nos últimos anos, uma fatia mais expressiva do superávit primário do governo federal tem sido cumprida graças às receitas de dividendos e, em menor medida, de concessões. Em 2011, os dividendos recebidos pelo Tesouro somaram quase R$ 20 bilhões, dos quais R$ 6,9 bilhões do BNDES, R$ 3,7 bilhões da Caixa Econômica Federal e R$ 3,3 bilhões da Petrobras. As concessões, por sua vez, somaram R$ 3,9 bilhões, dos quais R$ 2,1 bilhões se referem ao ingresso de valores decorrente da licitação da banda H, última faixa de frequência disponível para uso da tecnologia 3G. No total, as receitas dessas duas fontes atingiram R$ 23,9 bilhões, o equivalente a 25,5% do valor do superávit primário do governo federal. Entre 2003 e 2007, essa fatia era bem mais baixa - ficou, em média, em 14%.

Schwartsman também excluiu da série despesas atípicas, como os R$ 14,2 bilhões destinados à criação do Fundo Soberano do Brasil no fim de 2008. A medida reduziu o superávit primário oficial daquele ano, mas não teve nenhum impacto sobre a demanda.

Para completar, Schwartsman diz que um mesmo superávit primário obtido com aumento de receitas e de gastos é mais expansionista do que se for atingido com arrecadação e despesas menores. Em 2012, os gastos da União devem crescer mais que no ano passado, dado o impacto do aumento do salário mínimo sobre despesas previdenciárias e assistenciais e a decisão do governo de aumentar os investimentos.

"A política fiscal é mais expansionista do que costumava ser, mas isso não é capturado de modo correto pelo BC." Como os modelos da autoridade monetária se baseiam nos números não ajustados de superávit primário para medir a política fiscal, superestimam fortemente a contribuição da política fiscal para segurar a demanda, afirma Schwartsman.

"O BC continua a agir como alguém de dieta que, na mesa de saladas, trata queijo parmesão como se fosse alface. A questão é que a inflação não vai ser enganada por esse subterfúgio." O resultado, para ele, é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve perder força no acumulado em 12 meses até algum momento do segundo trimestre, mas depois volta a subir, fechando o ano entre 5,5% e 6%, bem acima do centro da meta, de 4,5%, acredita Schwartsman. Em 2011, o IPCA ficou em 6,5%.

Por enquanto, a maior parte dos analistas considera difícil o cumprimento da meta de 3,1% do PIB - os economistas ouvidos semanalmente pelo BC projetam um superávit de 2,8% do PIB. Em relatório, o economista-chefe da corretora Convenção Tullett Prebon, Fernando Montero, diz que os gastos crescerão mais neste ano em termos reais porque algumas despesas importantes já estão contratadas (dado o reajuste de mais de 14% salário mínimo), o governo deve elevar investimentos e por ser difícil cortar duas vezes em algumas rubricas do orçamento, como emendas parlamentares. "Aceito isso, o superávit primário cheio será função de surpresas em receitas que dificilmente tenham grande impacto sobre rendas e gastos na economia, como dividendos de bancos públicos, débitos tributários, concessões", escreve ele. Desse modo, é bastante possível que, para chegar aos 3,1% do PIB, o governo tenha que recorrer mais uma vez a fontes de recursos que pouco impactam a demanda.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, trabalha com um número de 2,7% do PIB. Receitas extraordinárias podem levar ao cumprimento da meta, assim como um contingenciamento de R$ 55 bilhões a R$ 60 bilhões do orçamento deste ano, diz ele. Para ele, ainda que a meta seja atingida, a política fiscal será expansionista neste ano, porque os gastos vão mostrar aceleração. Borges estima que as despesas deverão crescer 6,1% acima da inflação neste ano, mais que os 3,3% registrados em 2011. "Mesmo se os investimentos ficarem iguais aos de 2011, haverá um aumento real de 5%".

Borges acredita que o BC deve derrubar a Selic até 9,5% ao ano- hoje, está em 10,5%. Para ele, no fim do ano, quando a economia estiver mais aquecida, a autoridade monetária pode elevar compulsórios e voltar a adotar medidas para restringir o crédito no fim do ano, em vez de elevar os juros. Hoje, ele trabalha com um IPCA de 5%.