Título: Falta adotar o espírito de Owens
Autor: Thimmel, Stefan
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2006, Empresas, p. B5

É impossível ver um jogo como o de terça-feira no Estádio Olímpico de Berlim, onde a seleção brasileira estreou na Copa com a magra vitória de 1 a 0 contra a Croácia, sem olhar para 70 anos atrás. Esse estádio era o espaço onde Hitler recebia multidões para inflamados discursos nos anos 1930. Ali, o negro americano Jesse Owens ganhou quatro medalhas olímpicas em 1936, para a decepção e o desprezo do Führer, que se recusou a apertar a mão do atleta.

O estádio foi totalmente reformado para sediar seis jogos, entre eles a final de 9 de julho: piso metálico nas arquibancadas, cadeiras individuais e numeradas e teto levemente transparente para permitir a entrada da luz. As dependências preparadas para receber convidados especiais são luxuosas, os banheiros, limpíssimos. Dois telões mostram o jogo ao vivo. Há também três linhas de metrô que permitem (toleram) a entrada gratuita nos momentos de pico.

Mas, apesar disso tudo, ainda estão ali, intactos, os velhos traços da arquitetura nazista, estátuas no estilo do escultor Arno Breker, que expõem o ideal físico ariano, terraços típicos e a imponente torre do relógio, com 77 metros de altura. Externamente, a aparência de 1936 está bastante preservada, com sua linha arquitetônica austera dos tempos do nazismo.

Ao se aproximar do estádio, multidões de brasileiros e croatas, estes em maior número do que aqueles, atravessavam um enorme espaço vazio com apenas duas torres imponentes. Conta-se que o arquiteto Werner March, no início dos anos 30, havia desenhado uma fachada modernista para o Olímpico, com vidros e concreto aparente, proposta que Hitler odiou e ameaçou cancelar os jogos olímpicos se o projeto não fosse modificado. March então eliminou os vidros e disfarçou o concreto com sulcos que imitam pedras.

O Olímpico é apenas um bom estádio para futebol, embora não tenha a característica das arenas modernas, que colocam o espectador muito perto do gramado. Ele ainda mantém a pista de atletismo separando os jogadores do público, uma constante também nos velhos estádios brasileiros. A diferença é que a área lateral é limpíssima e o gramado, um tapete.

-------------------------------------------------------------------------------- É a única forma de tentar voltar ao Estádio Olímpico, em Berlim, para a disputa final, em 9 de julho --------------------------------------------------------------------------------

Há décadas os clubes alemães jogam futebol no Olímpico, que é a casa do Hertha BSC, clube de Berlim em que faz sucesso o brasileiro Marcelinho Paulista (ex-jogador do São Paulo).

O estádio foi inaugurado em 1934 para ser a sede das Olimpíadas de 1936 e sobreviveu à destruição de Berlim que pôs fim à Segunda Guerra Mundial. No ano 2000, quando a Alemanha foi escolhida para ser a sede da Copa, estava em péssimo estado. Os berlinenses pensaram em demoli-lo, mas acabaram decidindo pela reconstrução. As obras custaram 225 milhões de euros, duraram quatro anos e o Olímpico foi reinaugurado no ano passado.

Apesar da estrutura montada, os alemães não são tão organizados quanto se poderia esperar. No jogo de terça-feira, havia enormes filas na entrada do Estádio Olímpico, que impunham mais de uma hora de espera ao torcedor. Dentro do estádio, se o torcedor quisesse beber um simples copo d'água ou uma cerveja quente, que custava 5 euros (R$ 14) , teria de perder pelo menos dez minutos da partida em filas enormes.

Os fantasmas nazistas certamente passaram longe das cabeças de jogadores como Ronaldinho, Zé Roberto, Dida e outros negros brasileiros que participaram da partida. Mas a Seleção fez um jogo monótono, bem no estilo que caracteriza o tradicional "salto alto" de quem acha que pode vencer quando quiser. Se mantiver esse estilo fleumático, dificilmente chegará ao hexa.

Já vimos esse filme nas Copas de 1994 e 1998, com os mesmos Parreira e Zagallo na direção técnica. Em 1994, a vitória só veio por sorte na disputa de pênaltis contra a Itália. Em 1998, deu naquele desastre de 12 de julho, em Paris. No jogo de domingo, agora na moderníssima Allianz-Arena, contra a Austrália, espera-se que adotem o espírito guerreiro que Owens demonstrou diante do Führer, em 1936. É a única forma de tentar voltar ao Olímpico para a disputa final, em 9 de julho.