Título: Risco político pesa no bolso do investidor
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2012, Investimento, p. D2

Uma nova fase na Petrobras começa hoje, sob a direção de Maria das Graças Silva Foster. Ainda não é possível dizer como será a liderança da executiva, mas a percepção é de que a troca de comando na estatal - com a saída de José Sergio Gabrielli - possa melhorar a gestão operacional da empresa. Graça Foster, como é conhecida, tem um perfil mais técnico. O que não deve mudar, na avaliação dos analistas, é o fantasma da influência política.

Nos últimos dois anos, as ações das duas principais companhias da bolsa - Petrobras (ver gráfico) e Vale - sofreram em alguns momentos com o chamado risco político. No caso da mineradora, apesar de ela não ser estatal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos de pensão das estatais têm uma parcela relevante no capital social da empresa.

Isso significa que o investidor brasileiro, ao aplicar na bolsa, tem de acompanhar não apenas os números financeiros de uma companhia, mas as decisões tomadas pelo governo. Levantamento do Valor Data mostra que as estatais representam uma fatia de 17,59% do Índice Bovespa. No caso do IBrX, esse peso chega a quase 22,47%.

O mercado de capitais no Brasil é caracterizado por blocos de controle e, nas empresas importantes, o governo ou é majoritário ou tem participação importante, afirma Sérgio Giovanetti Lazzarini, professor de estratégia e organização de empresas do Insper. "Há um entrelaçamento societário que abre espaço para a influência política e os próprios sócios não querem bater de frente com o governo", diz.

Na Petrobras, as primeiras preocupações vieram com a política conservadora de reajuste dos preços dos combustíveis - que não necessariamente acompanha o mercado internacional -, mas foi em 2010, quando decidiu se capitalizar para a exploração do pré-sal, que a empresa passou a enfrentar um mau humor maior dos investidores.

O modelo de capitalização escolhido, ancorado na cessão onerosa de 5 bilhões de barris da União para a Petrobras, e problemas na comunicação aumentaram a percepção do mercado do risco político na companhia. As ações preferenciais (PN) da Petrobras, que chegaram a valer R$ 34,49 no início de 2010, despencaram para abaixo de R$ 18,00 em outubro, logo após o encerramento da operação.

O mercado gostou do nome da Graça Foster, mas certas coisas não mudarão, como a estratégia dos preços, avalia Pedro Roberto Galdi, analista de investimento da SLW Corretora. Para ele, mesmo com a troca de comando, é preciso ficar atento ao desenvolvimento do pré-sal e, principalmente, ao encaminhamento dos recursos.

Para Rafael Andreata, analista de investimentos da Planner Corretora, a companhia continuará seguindo as diretrizes definidas em Brasília. "Graça Foster tem mais experiência, já foi CEO de duas empresas da Petrobras, mas foi indicada pela presidente", diz. Ainda segundo ele, é o conselho que define as estratégias da empresa e ele é presidido por membro do controlador, a União.

Um dilema que os analistas veem em estatais de grande porte é que tendem a existir necessidades conflitantes, já que o controlador pode ter de decidir entre os interesses do país ou do acionista que investe nas ações da empresa. Por conta da importância da empresa para o país, o economista-chefe da corretora Souza Barros, Clodoir Vieira, acredita que a influência política pode continuar sendo uma preocupação. Segundo ele, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é gerado em função da estatal do petróleo. "Portanto, ao aumentar o investimento na empresa, o governo também consegue elevar o PIB."

Mas não são apenas as estatais que sofrem interferência das decisões do governo. Muitas empresas de capital privado, apesar de não terem o Estado como principal acionista, são diretamente afetadas pelas diretrizes de Brasília. A própria Vale sofreu no início do ano passado, quando entrou no radar dos analistas a apreensão de que o governo pudesse estar pressionando os acionistas para trocar o comando da empresa.

Havia divergências entre o governo, os acionistas e o então presidente da empresa, Roger Agnelli, diz Andreata, da Planner. "Passados alguns meses desde a posse de Murilo Ferreira, parece haver um maior alinhamento nas questões relacionadas a projetos", afirma o analista. "E a percepção de risco político caiu bastante."

Quando há a troca de um presidente considerado competente, caso de Agnelli, é natural que o mercado fique ressabiado, avalia Vieira, da Souza Barros. Aos poucos, no entanto, o novo presidente da Vale vai passando a informação ao mercado de maior independência na gestão, melhorando a visão sobre o papel, diz ele.

As elétricas são um caso à parte quando o assunto é o peso das decisões dos governos federal e estadual. Um dos principais riscos é o de mudança regulatória, conforme ficou evidente no ano passado nas negociações sobre o novo ciclo de revisão tarifária, em que o governo pressionou para baixar o índice de retorno das distribuidoras e, consequentemente, as tarifas para o consumidor final.

A renovação das concessões é outro ponto que o investidor tem de acompanhar de perto quando se fala no setor de energia. Empresas como Cemig, Cesp, CPFL e Eletrobras têm concessões a vencer em 2015. "Embora esse prazo de vencimento possa parecer longo, se não houver perspectivas de renovação, as companhias vão parar os investimentos", lembra Vieira.

Na sexta-feira, conforme mostrou o Valor, o governo está praticamente decidido a prorrogar por um período de 30 anos as concessões de usinas hidrelétricas, distribuidoras e transmissoras que vencem em 2015. Mas, para isso, Brasília exigirá um desconto nas tarifas.

Na visão de Lika Takahashi, estrategista-chefe da Fator Corretora, o governo tem interesse em renovar as concessões, o problema reside na formatação jurídica dessa questão. "Do ponto de vista de tarifa, renovar as concessões com preços mais baixos é uma forma de reduzir o custo de energia no Brasil, que é crescente", disse ela, no "book" de análise da instituição. Na visão dela, as tarifas poderão ser reduzidas entre 30% e 35% e as empresas mais afetadas são Eletrobras e Cesp.

"A Eletrobras é uma das empresas mais expostas ao problema da renovação de concessão, o que pode resultar em perda de receita no futuro", escreve a analista. Andreata, da Planner, ressalta que a influência política que a companhia sofre é até maior do que a vista na Petrobras. "A empresa tem várias unidades abaixo da holding e muitos dos cargos nem sempre são preenchidos levando em conta os aspectos técnicos", diz o analista.

Os investidores veem com ressalvas as estratégias de médio e longo prazos adotados pela companhia nos últimos anos. Isso porque a empresa vem participando de grandes leilões no Norte do país com taxas de retorno consideradas baixas pelo mercado, afirma o analista da Planner.

Na área de concessões de estradas, denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes acabaram por atrasar o cronograma de leilões do governo. "A expectativa era de que leilões fossem realizados no ano passado e, agora, a perspectiva ficou para este ano", afirma Andreata, da Planner.

Já no segmento de portos, também há concessões vencendo, sem definição ainda dos rumos que as negociações tomarão. Algumas empresas estão aguardando uma renovação de suas licitações, caso de Triunfo, Log-In, Santos Brasil e WilsonSons, afirma Andreata.

Na área financeira, as ações do Banco do Brasil costumam ser negociadas com desconto em relação aos papéis de outros grandes bancos pelo temor de ingerência política.

O governo, sob o ponto de vista industrial, tem interesse em manter posição para não perder sua capacidade de influência, afirma Lazzarini, do Insper. "Por isso, o investidor tem de estar ciente disso e colocar no preço de sua análise antes de comprar uma ação." (Colaborou Beatriz Cutait)