Título: PGFN tenta repatriar recursos
Autor: Teixeira, Fernando e Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2006, Legislação & Tributos, p. E1

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) está começando a se preocupar com a cobrança de sonegadores "off-shore" - aqueles que conseguem evadir seu patrimônio, incluindo o produto da sonegação, para outros países. Desde o início de 2005, quando a procuradoria colocou em operação um grupo especial de combate a grandes devedores, foram abertas três investigações de grandes casos de sonegação e evasão de divisas - o maior deles de mais de R$ 200 milhões. Os suspeitos teriam levado seus recursos para Uruguai, Portugal e Estados Unidos.

Como a sonegação não é considerada crime antecedente de lavagem de dinheiro e nem mesmo reconhecida como crime em vários países, a procuradoria da Fazenda teme pelo desfecho das investigações, pois os processos podem esbarrar na falta de instrumentos jurídicos para repatriar o dinheiro. O único caso de sonegação seguida de evasão de divisas já apurado pelo órgão ocorreu em 2002, quando a Procuradoria da Fazenda Nacional no Rio de Janeiro identificou um sonegador na Argentina. Dono de vinhedos, o devedor foi localizado porque concedeu uma entrevista a uma revista falando sobre seus vinhos. A procuradoria ajuizou um pedido de bloqueio da propriedade e o Itamaraty enviou uma carta rogatória para a Justiça argentina ainda em 2002. Mas até hoje não há nenhum resultado.

Segundo a coordenadora do grupo de grandes devedores da PGFN, Patrícia Lessa, ao contrário dos pedidos de repatriamento de recursos oriundos de crimes como corrupção ou tráfico de drogas, que são baseados em ações penais, as ações de cobrança fiscal são oriundas de processos cíveis, o que implica em maiores dificuldades para o bloqueio de bens. Embora a sonegação fiscal seja crime no Brasil, as ações penais decorrentes de sonegação não são de responsabilidade da procuradoria da Fazenda, mas sim do Ministério Público Federal. Ocorre que nem todos os débitos fiscais resultam em ações penais e, além disso, o desfecho dessas ações enfrenta restrições na legislação brasileira. Por um lado, as ações penais decorrentes de sonegação fiscal caíram em desuso, pois a legislação brasileira tem evoluído no sentido de tratar este tipo de crime de forma diferenciada, permitindo, por exemplo, a extinção da punibilidade em caso de pagamento do tributo. Por outro lado, mesmo quando há abertura de inquérito, ele ocorre apenas depois de encerrada a fase administrativa do processo, o que atrasa em vários anos o início da investigação. O próprio débito só começa a ser cobrado judicialmente cinco anos depois da autuação.

De acordo com Patrícia Lessa, os três casos de evasão de recursos oriundos de sonegação fiscal encontrados estão sendo apurados também em ações penais, assim como quase todos os casos do grupo de grandes devedores. Mas mesmo que a tentativa de repatriação dos recursos fosse feita por meio de ações penais, e não por ações cíveis, como é o caso, ainda assim haveria dificuldades de bloqueio dos bens. Isso porque, embora o Brasil esteja aumentando consideravelmente o número de acordos de cooperação em matéria penal com outros países, muitos deles são restritivos. De acordo com Antenor Madruga, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, há casos em que o país signatário do acordo com o Brasil não considera a sonegação fiscal como crime, e isso a exclui da possibilidade de cooperação e conseqüente repatriação de recursos que tenham sido evadidos a partir dela. "Os paraísos fiscais, por exemplo, não consideram crime a sonegação", afirma. Além disso, há ainda acordos que estabelecem limites em relação a questões tributárias.

Desde o ano passado a PGFN começou a se debruçar sobre saídas possíveis para a recuperação de recursos oriundos de sonegação, e participou no início do ano de uma reunião do Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi) na África do Sul. Segundo Patrícia Lessa, o relatório final do encontro abordou o problema da sonegação, mas não foi feita uma recomendação direta para a inclusão da fraude tributária entre os crimes antecedentes de lavagem. Segundo ela, ainda há resistência de alguns países para tratar a sonegação nos mesmos termos em que é tratada a corrupção ou o narcotráfico.

De acordo com Patrícia, a inclusão da sonegação como crime antecedente à lavagem de dinheiro na legislação brasileira ajudaria no trabalho, pois a PGFN se beneficiaria dos acordos internacionais do Brasil para o combate à lavagem. O projeto de lei elaborado pelo governo para alterar a Lei de Lavagem de Dinheiro, contudo, ainda não foi enviado ao Congresso Nacional. Para a procuradora, a melhor solução seria firmar acordos bilaterais com outros países para cobranças cíveis. No encontro do Gafi na África do Sul, a procuradora começou este ano a fazer contatos com outros países - Argentina e Portugal - para tentar saídas nesse sentido.