Título: Candidatos apóiam disciplina fiscal no Peru, mas falta credibilidade
Autor: Braga, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2006, Internacional, p. A12

O ex-militar Ollanta Humala, que defende uma nacionalização "light" no país O presidente peruano, Alejandro Toledo, passou boa parte de seu governo com uma popularidade abaixo de 10%, mas, ao menos no discurso, nenhum dos dois candidatos a substituí-lo diz pretender mudar as bases da atual política econômica do Peru.

Tanto o ex-presidente Alan García, populista do partido social democrata Apra, quanto Ollanta Humala, do nacionalista UPP, prometem manter as políticas monetária e fiscal praticamente inalteradas, com inflação baixa e alto nível de reservas. Ambos também querem que a taxa de crescimento do país se acelere, dos atuais 5% para cerca de 7%.

Na visão dos analistas de mercado, a situação deixada por Toledo e pela boa conjuntura internacional, com alta nos preços das matérias-primas exportadas pelo país, garante um cenário favorável no curto prazo, mas que pode piorar se a conjuntura mudar.

"Há desconfiança tanto em relação a García quanto a Humala", disse o analista Elmer Cuba, economista chefe da consultoria Macroconsult, de Lima. Para ele, nenhum dos dois vai hesitar em abandonar a linha ortodoxa adotada por Toledo caso o cenário econômico se torne menos favorável.

Associated Press O populista Alan García, cujo governo anterior quebrou a economia do Peru García é hoje o candidato preferido pelo mercado, não tanto por méritos próprios, mas porque Humala é considerado mais perigoso.

García, que governou o país entre 1985 e 1990, com um governo que terminou com hiperinflação e escassez de produtos básicos, é o favorito para vencer o segundo turno no domingo, apesar de as pesquisas mostrarem uma diminuição progressiva de sua vantagem em relação a Humala, um ex-militar que liderou uma suposta tentativa de golpe em 1990.

Os dois candidatos prometem colocar mais ênfase nos problemas sociais do país, mas os meios para atingir esse objetivo são bastante diferentes.

"Queremos que em 2011 o Peru seja um líder na região andina. Temos de aumentar a taxa de investimentos, que hoje está em 17% do PIB e tem de chegar a 25%", disse Enrique Cornejo, responsável pelo programa econômico do Apra.

Ele considera que o tratado de livre comércio (TLC) com os EUA, que foi negociado pelo governo atual e será submetido ao Congresso após a eleição, também abre boas possibilidades de recepção de investimentos e inserção comercial. A visão contrasta com a de Humala, que rejeita o TLC.

Para ampliar a entrada de recursos, Cornejo disse um dos objetivos é que o país atinja o "grau de investimento" em dois anos. "Para conseguir isso, temos de baixar relação dívida/PIB, que hoje está em 38%", afirmou. A outra tarefa pendente é desdolarizar a economia, que segundo ele tem 80% de sua movimentação em dólares.

Na opinião dele, a melhoria dos indicadores sociais virá com a criação de empregos, por meio de programas para aumentar o valor agregado nas exportações, e com uma pressão tributária maior, de 14% para 18% do PIB, mas concentrada no aumento da arrecadação dos tributos progressivos.

Já Humala pretende ampliar o papel do Estado na economia, com a nacionalização de setores estratégicos. O candidato nacionalista é o que gera mais temores entre o setor empresarial, embora suas declarações em tom populista mantenham um certo grau de ambigüidade, provavelmente para não apavorar os homens de negócios.

Segundo seu principal assessor econômico, não há a intenção de colocar em prática um esquema de nacionalização "à boliviana", mas ainda não está claro como seria realizado o processo, que se concentraria em setores considerados estratégicos, como o de energia.

"Propomos uma forma moderna de nacionalização, flexível", disse ao Valor Gonzalo García, candidato a vice na chapa de Humala e ex-funcionário do Banco Central peruano. Segundo ele, os projetos na área de energia deverão operar com algum tipo de participação estatal, que não especificou, mas terão de seguir o princípio básico de que haja "energia barata e segura para nossa indústria e energia barata e segura para nossos lares. O Estado velará por esses objetivos".

Uma das idéias é que a estatal Petroperu, que atua em refino e distribuição, aumente sua participação no mercado, atuando em todas etapas do negócio, desde a exploração à comercialização. Para conseguir o dinheiro para esses investimentos o candidato a vice de Humala diz que o Estado fará emissões de bônus no mercado doméstico.

Com a mudança de governo, um dos projetos que serão revisados é o gasoduto de Camisea, que começou a operar em meados de 2004 mas vem apresentando problemas técnicos que já provocaram a interrupção do serviço. Os dois candidatos propõem mudanças do contrato para que o Estado absorva uma maior quantidade de recursos provenientes do projeto, cujo contrato foi negociado com preços internacionais do petróleo na faixa de US$ 20, quando o valor hoje supera US$ 70.

García propõe uma revisão contratual, mas Humala tem indicado que pode ir mais longe. Segundo Cuba, suas propostas podem ser tanto um aumento da participação do Estado na economia via parcerias com o setor privado quanto expropriações. "Os setores que mais preocupam são petróleo e gás, mineração e portos", disse o analista.

Sobre os temores gerados ante a possibilidade de Humala chegar ao poder, seu vice manteve a ambigüidade. Segundo ele, só devem tê-lo aqueles que "administraram o Peru durante muitos anos com exclusão e acreditam que é possível coexistir com mais de 50% da população vivendo na pobreza e que podem fazê-lo usando mecanismos de violência social". "Isso vai produzir violência, vamos ter um Sendero Luminoso, vamos estar à beira do precipício", conclui.