Título: Mudança na composição do PIB dá margem a otimismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2006, Internacional, p. A13

Depois de anos em que o principal motor do crescimento do Brasil foram as exportações, há motivos para comemoração porque a expansão da economia observada nos últimos meses está sendo puxada pela demanda doméstica, com destaque especial para o desempenho do investimento e do consumo das famílias. Essa percepção de especialistas, retratada pelo Valor na sua edição de segunda-feira, foi confirmada ontem com a divulgação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos dados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano, que mostram um aumento de 1,4% na comparação do primeiro trimestre deste ano com o quarto trimestre de 2005, levando-se em consideração a série com ajuste sazonal.

Em relação ao primeiro trimestre de 2005, o crescimento foi de 3,4%. No acumulado em quatro trimestres (terminados no primeiro trimestre de 2006), a taxa ficou em 2,4% quando comparada aos quatro trimestres imediatamente anteriores.

Mais do que esses resultados, positivos sem a menor dúvida, deve-se festejar o fato de que houve um crescimento do índice que mede a formação bruta de capital fixo de 3,7% no primeiro trimestre deste ano, após o aumento de 1,7% no quarto e queda de 0,9% no terceiro trimestre de 2005. Esse aumento é vital para um país que precisa urgentemente de mais investimentos em áreas como construção civil e ampliação e melhoria da capacidade industrial. Mantido esse ritmo, este ano poderá trazer uma melhora significativa nos investimentos, ajudando a sustentar essa fase de crescimento.

Segundo a pesquisa do IBGE, o consumo das famílias apresentou variação positiva de 0,5% no primeiro trimestre, uma taxa ainda modesta e que significa que há ainda muito a crescer diante da gradual melhoria de renda dos trabalhadores. Vários fatores impulsionam o consumo privado em 2006, como a queda dos juros - tendência mantida ontem pelo Banco Central, com um corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic, aumento do salário mínimo e ampla oferta de financiamentos. O estímulo ao consumo e, portanto ao crescimento econômico, dado pela variação do salário mínimo não pode ser desprezado: no fim deste ano, os trabalhadores que recebem salário mínimo ou o tem como referência para o reajuste salarial, terão acumulado um ganho real de renda de 32%. Outro fator importante, nesse cenário, é, sem dúvida, o salto dado recentemente no valor das transferências de renda. No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, as transferências de renda representaram 0,19% do PIB do país. Hoje, elas são 0,5% do PIB. Em termos nominais, significaram R$ 2,5 bilhões em 2002 e devem chegar a R$ 9,5 bilhões neste ano.

Também se constatou um aumento - expressivo - no consumo do governo, da ordem de 1%. Esse dado deverá preocupar os economistas que consideram estar havendo uma menor preocupação governamental com o rigor fiscal.

A pesquisa do IBGE também mostrou que a contribuição do setor externo foi negativa pela primeira vez desde o 4º trimestre de 2003 e sinaliza para o fechamento do primeiro ano nessa mesma configuração desde 2000. Essa situação se explica mais pelo aumento das importações - impulsionadas pelo dólar "barato" que perdurou até recentemente -, mas também já reflete o impacto do crescimento mais lento das exportações constatado neste ano. O resultado da balança comercial de maio, a ser anunciado hoje, deve comprovar essa desaceleração nas vendas ao exterior.

De forma geral, o resultado do PIB no primeiro trimestre reforça as apostas dos especialistas de que o crescimento deste ano ficará entre 3,5% e 4% - puxado pela demanda interna, como ocorreu neste no início de 2006. O investimento continuará a avançar a taxas significativas e o consumo das famílias deverá se acelerar daqui para a frente, em parte porque só em maio começou-se a sentir o efeito do aumento do mínimo . Além disso, os gastos públicos vão seguir fortes, pelo menos até junho - depois, restrições impostas pela legislação eleitoral podem frear um pouco as despesas. Já as turbulências no mercado financeiro não devem atrapalhar a concretização desse cenário, mas levam alguns analistas a adiar eventuais revisões para cima de suas previsões.