Título: Necessidade de uma reforma na educação (II)
Autor: Ferreira, Sérgio, e Veloso, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2006, Opinião, p. 0

Em artigo anterior publicado nesse jornal (28/4), apresentamos uma análise da atual política educacional no Brasil. A conclusão foi que o atual modelo educacional no Brasil é muito ineficiente e fortemente concentrador de renda. Em função disso, é necessária uma mudança desse modelo, concentrando esforços na elevação da qualidade do ensino básico e na universalização do ensino médio.

Esses objetivos são desejáveis tanto em termos de equidade, na medida em que ampliam o acesso à educação a famílias mais pobres, como por razões de eficiência, já que constituem duas dimensões do sistema educacional brasileiro onde ineficiências e desperdícios se manifestam de forma particularmente contundente.

Além disso, existem evidências de que o ensino médio tem efeitos particularmente importantes para o crescimento econômico, na medida em que facilita a absorção de tecnologias. Estudo recente de Lochner e Moretti para os EUA também mostra que a conclusão do ensino médio tem feito importante na redução da criminalidade.

Quanto à melhoria da qualidade de ensino, particularmente em escolas públicas, além de ser uma ferramenta poderosa de promoção da eqüidade, ela tem também um impacto importante no crescimento econômico, conforme documentado em diversos estudos.

A questão que se coloca é como atingir esses objetivos de universalização do ensino médio e melhoria da qualidade do ensino básico de uma forma que promova a eqüidade e seja eficiente. A chave para isso se encontra na introdução de mecanismos de incentivos e competição no sistema educacional. Em outras palavras, é preciso desenhar mecanismos de incentivos que induzam os pais a cobrar uma maior quantidade e qualidade de ensino, os alunos a querer aprender, os professores a ensinar e os diretores e gestores de política educacional a ter como objetivo um bom desempenho das escolas. Competição é uma forma eficaz de criar incentivos e permitir que demandas por melhor desempenho escolar se materializem.

A seguir, discutimos recomendações de linhas de política educacional e propostas específicas para a implementação que obedeçam aos princípios acima propostos.

-------------------------------------------------------------------------------- O ensino médio mostra-se importante para o crescimento econômico, uma vez que promove a absorção de tecnologias --------------------------------------------------------------------------------

1) Universalização do ensino médio: inclusão no Bolsa Família de jovens entre 16 e 18 anos de idade, com benefícios crescentes em função da idade. O Bolsa Família, tal como desenhado hoje, inclui somente crianças entre 6 e 15 anos. Com isso, o programa deixa de fora os jovens cujo incentivo para estudar é menor, na faixa etária de 16 a 18 anos. Estes jovens têm incentivos crescentes para deixar a escola, como evidenciado pela queda da freqüência escolar nesta faixa etária. É nesse contexto que o redesenho do Bolsa Família seria importante, dirigindo recursos para a faixa de 16 a 18 anos e tornando o valor da bolsa uma função crescente da idade. O sucesso do Progresa (hoje Oportunidades) mexicano na expansão da freqüência escolar nesta faixa etária, pode dar valiosas lições nesse sentido.

2) Melhorar a qualidade do ensino básico: uma forma de introduzir incentivos no sentido de melhorar a qualidade da educação seria através da implementação de uma avaliação de professores e escolas do ensino básico, e não somente de alunos, como é feito atualmente através do SAEB. Além disso, é de grande importância que a avaliação seja utilizada para condicionar o repasse de recursos a professores e escolas públicas. Do lado do professor, poderia instituir-se uma remuneração salarial condicionada à sua performance, como no caso do México. Do lado do diretor da escola, deve-se premiar as escolas com melhores resultados - maiores progressos na qualidade - com mais recursos públicos, como é feito no Chile.

Uma das formas mais eficazes de avaliação é a que é feita pelo mercado. A competição por alunos entre escolas é uma forma importante de criar os incentivos para que as escolas e professores procurem melhorar continuamente a qualidade de ensino. Com o objetivo de aumentar a competição e elevar a qualidade das escolas públicas, algumas medidas inovadoras de parcerias público-privadas, como vales-educação (vouchers) e charter-schools, têm sido utilizadas nos Estados Unidos e países da América Latina.

No sistema de vale-educação são oferecidas bolsas de estudo aos alunos carentes da rede pública, para que estes se transfiram, se assim desejarem, para escolas privadas de sua escolha. Na Colômbia, por exemplo, a adoção de vales-educação gerou uma elevação das notas de alunos das escolas públicas, através de um efeito de competição, o que mostra que essa modalidade de parceria público-privada não tem como objetivo a "terceirização" do ensino público, mas sim a melhoria da qualidade da educação. No sistema de charter-schools, o governo local abre concorrência pelos recursos públicos destinados ao ensino, permitindo que representantes da sociedade (como professores e pais de alunos) se candidatem aos recursos em iguais condições com as escolas públicas, com a condição de que forneçam o serviço gratuitamente.

A qualidade do ensino depende não somente de aspectos relacionados à oferta do ensino, como os discutidos até aqui, mas também dos relacionados à demanda (nível de capacidade dos alunos). Nesse sentido, a universalização da pré-escola no Brasil seria uma forma importante de compensar as crianças carentes pela ausência de uma situação sócio-econômica favorável e, em conseqüência, melhorar a qualidade do ensino básico no Brasil.

Os efeitos das mudanças propostas sobre a qualidade e eficiência do sistema educacional dependem da capacidade de resposta das escolas aos desafios impostos pela competição. Neste sentido, uma reforma da educação no Brasil deve ser acompanhada por uma mudança no marco regulatório do setor, concedendo-se maior autonomia ao diretor da escola e uma maior flexibilidade às escolas na definição de aspectos importantes da gestão escolar como, por exemplo, a definição do currículo, determinação de métodos de ensino, procedimentos de contratação de professores e planos de carreira. Somente assim as condições externas de competição poderão se refletir em mudanças nos incentivos dentro da escola e em uma melhoria do desempenho escolar.

Sergio Ferreira é professor do Ibmec/RJ.

Fernando Veloso é professor do Ibmec/RJ e coordenador do Mestrado em Economia do Ibmec/RJ.