Título: Os problemas de Taiwan
Autor: Jonquières, Guy de
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2006, Opinião, p. A15

Quando o edifício mais alto do mundo foi inaugurado em Taipei, 18 meses atrás, pareceu uma ousada declaração de confiança no futuro. Hoje, ele mais se assemelha a um desamparado lembrete do isolamento de Taiwan. O enorme saguão está quase deserto, um terço dos andares continua desocupado e os salões destinados a operações financeiras eletrônicas continuam sendo apenas uma fantasia na mente das incorporadoras imobiliárias.

O prédio é uma metáfora apropriada para o esvaziamento da economia da ilha ao longo da década passada. Sua antes vibrante base de manufatura implodiu depois que milhares de fábricas e administradores de empresas transferiram-se para a China. Isso deixou Taiwan cada vez mais dependente de um setor de serviços que remunera com baixos salários e de uma minguante comunidade de sedes empresariais e empresas multinacionais.

Apesar do crescimento econômico anual de 4,5%, a renda real de muitas pessoas ficou estagnada. A desigualdade aumentou, à medida que trabalhadores que perderam seus postos de trabalho em fábricas migraram para empregos de salários mais baixos. As saídas de investimento direto são muitíssimo maiores do que os afluxos de investimento, e um montante estimado em US$ 500 bilhões de riqueza privada fugiu para o exterior. Grande parte do que retorna a conta-gotas vai para a especulação imobiliária - não são investimentos produtivos - ao mesmo tempo em que uma febre de crédito ao consumidor dá sustentação à demanda doméstica.

A grande esperança do empresariado taiwanês é que a eleição presidencial de 2008 traga mudanças decisivas após oito anos de governo inconstante e inepto de Chen Shui-bian, cuja postura de independência enfureceu Pequim e dividiu o eleitorado. Ma Ying-jeou, o popular prefeito de Taipei e favorito para a sucessão de Chen, promete uma relação mais realista com o continente, que o está cortejando assiduamente.

O trunfo de Ma é sua promessa de estabelecer ligações aéreas diretas com cidades chinesas, encurtando uma prolongada trajetória via Hong Kong. Isso é amplamente considerado como crucial para reanimar os investimentos e atrair de volta os empreendedores taiwanêses e as dinâmicas companhias que conquistaram liderança mundial em produtos como computadores notebook, microchips e painéis de telas planas.

Mas as esperanças ancoradas em "vínculos diretos" são exageradas, um sintoma da obsessão com o relacionamento entre o continente e a ilha que permeia a vida pública taiwanesa. Na realidade, os infortúnios da ilha não se devem fundamentalmente às restrições a viagens aéreas ou a ameaças de agressão chinesa. Eles foram, em larga medida, produzidos por Taiwan, ela própria.

-------------------------------------------------------------------------------- A desigualdade aumentou à medida que trabalhadores que perderam seus postos em fábricas migraram para empregos de salários menores --------------------------------------------------------------------------------

Em virtude de terem escapado à crise asiática de 1997, os taiwanêses foram poupados das brutais, embora benéficas, reformas econômicas a que tiveram de se submeter muitos de seus vizinhos. Taiwan continua evitando tais reformas. Grande parte de sua economia continua abrigada da competição internacional; ampla participação de empresas estatais na economia protege companhias ineficientes e coíbe a reestruturação industrial; a regulamentação do mercado é débil e são freqüentes as interferências do estamento burocrático.

Chen tem grande parte da culpa. Embora ele tenha proposto reformas, seu foco hesitante e trôpego microgerenciamento condenou os projetos de reforma sistematicamente à derrota numa legislatura dominada pela oposição. Até mesmo Tsai Ing-wen, um vice-primeiro-ministro e aliado nominal, diz que a autoridade de Chen está tão enfraquecida que ele pouco poderá realizar no restante de seu mandato.

Entretanto, o problema fundamental de Taiwan é sua imaturidade política e institucional. Embora seja uma democracia apenas desde 1996, após décadas de ditadura militar, o país é hoje um modelo de liberdade política e de expressão. Mas sua turbulenta legislatura está mais preocupada com ganhos partidários mesquinhos do que com políticas construtivas. Seu executivo está cindido confusamente em dois ramos. Seu judiciário, antes extremamente politizado, está desorganizado e é imprevisível. E sua burocracia ossificada apega-se a poderes e atitudes adquiridas durante os longos anos de autocracia.

Esses ingredientes são uma receita para indecisão. O cenário confuso com eles criado desviou a atenção do que deveriam ser as prioridades para assegurar o futuro de Taiwan: fortalecer as instituições de uma sociedade livre e construir uma economia na qual o empreendedorismo e a geração de riquezas possam florescer.

O povo taiwanês - criativo, empreendedor e corajoso - está diante de um desafio. Mas não superará os obstáculos enquanto não parar de buscar bodes expiatórios para suas dificuldades. O primeiro passo para os taiwanêses deveria ser admitir claramente que, nas palavras do personagem dos quadrinhos Li'l Abner: "O inimigo somos nós".