Título: Cade decide hoje futuro do mercado de distribuição
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Empresas, p. B12

Luis Rigato Vasconcellos, conselheiro do orgão antitruste, abre a votação do caso na sessão marcada para 14 horas O futuro do mercado de gás canalizado dependerá do julgamento de hoje do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça. O órgão antitruste definirá sob quais condições as empresas poderão comercializar o insumo. Essa definição será tomada no julgamento de um caso específico: uma associação entre a Petrobras e a White Martins denominada de "Projeto Gemini". E terá impacto sobre casos semelhantes em todos os estados brasileiros.

A Petrobras fornece matéria-prima (gás natural) para a White Martins que, por sua vez, transforma o produto em gás liquefeito e o revende a terceiros. A Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) pediu ao Cade que modifique os contratos de venda de gás em dois planos.

Primeiro, a Comgás quer que o Cade determine transparência nas condições firmadas entre a Petrobras e a White Martins. A distribuidora paulista alegou ao órgão antitruste que não sabe qual é o preço pago pela White Martins à Petrobras para o recebimento de matéria-prima. O repasse de matéria-prima pode até ser gratuito, o que prejudicaria a concorrência, em especial a Comgás, disseram, ontem, em reunião com conselheiros do Cade, os advogados da companhia paulista.

E, num segundo momento, a Comgás pediu ao Cade a alteração dos contratos da White Martins para revenda de gás a terceiros. Esses clientes da White Martins, chamados no mercado de "clientes-âncoras", são, em geral, cerâmicas e metalúrgicas.

A companhia paulista argumentou, ontem, aos conselheiros, que esses contratos são por prazos longos (de oito a dez anos), o que dificulta a atuação de concorrentes na disputa por compradores de gás. A Comgás defendeu contratos de, no máximo, dois anos. E o fim de cláusulas denominadas de "take or pay", pelas quais os clientes têm de pagar caso não queiram mais receber o gás.

"A Comgás passou a combater o contrato White Martins-Petrobras com muita virulência", reconheceu o vice-presidente jurídico da White Martins, Paulo Novaes. "Eles (a Comgás) não querem se submeter à concorrência sob o argumento de que estão protegidos pela concessão", contra-atacou. Para Novaes, a atuação da companhia paulista pode pôr em risco um projeto de US$ 50 milhões a US$ 60 milhões em Paulínia, no interior de São Paulo.

"Ninguém quer impedir o projeto de funcionar", disse o advogado Gabriel Nogueira Dias, do escritório Magalhães, Ferraz e Nery Advocacia, que atua para a distribuidora. "O que a Comgás quer é prestar o serviço garantido a ela pela concessão. E a concorrência quer saber qual o preço pago (pela White Martins à Petrobras)."

Caberá ao conselheiro Luís Rigato Vasconcellos dar o primeiro voto sobre o caso no Cade, na sessão marcada para as 14h de hoje.

A disputa entre a Comgás e a associação Petrobrás-White Martins tem relação direta com a forma pela qual o governo privatizou o serviço de gás nos estados. O fim do monopólio de gás foi aprovado por emenda constitucional em 1995 e permitiu o ingresso de empresas estrangeiras neste mercado no Brasil. A British Gas e a Shell pagaram US$ 1 bilhão pela Comgás em licitação realizada em 1999. Ao adquirirem a estatal paulista, as companhias estrangeiras acreditaram que teriam a garantia de que prestariam o serviço de distribuição de gás no Estado até 2011. Elas investiram mais R$ 1 bilhão no Brasil e prevêem investir outra cota de mesmo valor até o final do contrato de concessão. "Estamos falando em mais de R$ 3 bilhões investidos no Brasil", disse o advogado André de Luizi Correia, do Wald Associados que atua para a Comgás.

Já a associação Petrobras-White Martins iniciou o processo de transporte de gás em Paulínia, ignorando a Comgás. A diferença entre distribuição e transporte de gás é sutil. A Constituição de São Paulo diz que o serviço de distribuição deve ser regulado pelo governo do Estado, através da Comissão dos Serviços Públicos de Energia (CSPE) - a agência reguladora de São Paulo.

Assim, pelas normas paulistas, a Comgás deveria prestar o serviço. Mas, a Constituição Federal autoriza o serviço de transporte de gás às empresas privadas. Este serviço poderia, portanto, ser prestado pela Petrobras e White Martins, com a regulação da Agência Nacional do Petróleo.

A decisão sobre quem regulará os serviços será tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A presidente do STF, ministra Ellen Gracie, reconheceu que a disputa em torno do Projeto Gemini se transformou num conflito federativo entre os governos federal e paulista. Ellen concedeu uma liminar sobre o caso na semana passada e os dois lados envolvidos na disputa pediram novas explicações à ministra porque não compreenderam o que ela decidiu.

Tanto a Comgás, quanto a Petrobras-White, não entenderam se a ministra autorizou o início do projeto. A associação está prevista para começar a funcionar no final do mês. Até lá, as empresas aguardam uma posição do Supremo.