Título: Sobra de dólares mantém câmbio baixo
Autor: Lamucci, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Brasil, p. A4

A vulnerabilidade externa da economia brasileira parece um problema do passado. Além das previsões de um saldo comercial na casa de US$ 40 bilhões e investimentos diretos de US$ 15 bilhões para este ano, a situação do balanço de pagamentos está ainda mais confortável devido às perspectivas cada vez melhores para as aplicações de estrangeiros em ações e renda fixa. O Credit Suisse estima que os recursos externos para esse fim devem totalizar US$ 16,1 bilhões em 2006.

Com essa sobra de dólares na economia, o câmbio deve seguir valorizado, mesmo sendo 2006 um ano eleitoral. O economista-chefe do Credit Suisse, Nílson Teixeira, acredita que o dólar terminará o ano em R$ 2,15, o que pode derrubar a inflação abaixo do centro da meta deste ano, de 4,5%. Mesmo tão baixo, o câmbio não deve impedir um superávit comercial robusto neste ano, em boa parte porque a economia global continua a crescer com força, mantendo elevada a demanda por produtos brasileiros.

O dólar só não deve cair mais porque o Banco Central (BC) deve continuar a comprar a moeda americana. Teixeira espera que a autoridade monetária adquira nada menos de US$ 23 bilhões no mercado à vista neste ano, mais do que os US$ 21,6 bilhões de 2005.

Ele chama a atenção para a expectativa de forte entrada de recursos para a compra de ações e títulos de renda fixa. Segundo Teixeira, as ofertas de ações têm atraído muitos investidores estrangeiros, que também têm aplicado mais dinheiro na compra de títulos públicos no mercado doméstico, depois que o governo isentou de Imposto de Renda essas operações. Com isso, ele aposta que o investimento em ações e renda fixa deve crescer 133% neste ano, aumentando de US$ 6,9 bilhões em 2005 para US$ 16,1 bilhões em 2006.

Outra boa notícia é o desempenho da balança comercial. O banco estima um saldo de US$ 39 bilhões neste ano, abaixo dos US$ 44,8 bilhões de 2005, mas suficiente para o país obter mais um superávit em conta corrente (que inclui, além da balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais) - o quarto seguido.

O câmbio na casa de R$ 2,10 a R$ 2,20 prejudica as exportações brasileiras, mas o significativo crescimento global compensa parte do problema. O Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de elevar sua previsão para o crescimento global em 2006 de 4,3% para 4,9%.

"A situação das contas externas é muito positiva", resume Teixeira, que revisou há algumas semanas sua previsão para o dólar de R$ 2,30 para R$ 2,15 no fim de 2006. O Itaú espera uma taxa ainda mais baixa em dezembro, de R$ 2,10.

Para o Credit Suisse, o superávit em conta corrente deve ficar em US$ 7,9 bilhões neste ano, abaixo dos US$ 14,2 bilhões observados em 2005. O recuo se explica pelo menor saldo comercial e também pelo aumento das remessas de lucros e dividendos e de gastos com viagens internacionais. "Mas essa piora da conta corrente será mais do que compensada pela maior entrada de recursos na conta de capitais, como mais investimento em ações e renda fixa", diz Teixeira.

Para o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, os números do setor externo mostram que há uma sobra de dólares na economia brasileira. Num estudo escrito com o economista Paulo Pereira Miguel, ele faz interessantes simulações sobre o resultado das contas externas até 2010, considerando um crescimento global de 3,5% a 4% ao ano, uma expansão do comércio global de 10% a 15% ao ano, uma taxa real de câmbio constante e um avanço da economia brasileira de 3% ao ano.

As projeções indicam que haveria uma sobral estrutural de dólares de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões por ano, devido ao diferencial do crescimento entre o Brasil e o resto do mundo e à situação favorável no comércio internacional. Para evitar uma valorização adicional do câmbio, seria necessário que o BC adquirisse o excedente de dólares e acumulasse muitas reservas, o que é extremamente custoso devido à diferença entre os juros internos e externos. Mendonça de Barros e Miguel consideram que, para enfrentar os efeitos colaterais causados por essa situação externa favorável é fundamental que o país cresça a taxas mais robustas e se integre mais à economia internacional, de forma a diminuir um pouco o saldo comercial, e reduza os juros.

De todo modo, para um país que há poucos anos tinha na vulnerabilidade externa um dos maiores obstáculos ao crescimento, o excesso de dólares parece um problema dos mais agradáveis.