Título: Dengue concentra-se em sete Estados e hanseníase resiste no Pará e Mato Grosso
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Brasil, p. A6

A expansão de periferias miseráveis nas cidades trouxe para os centros urbanos uma coleção de doenças que se imaginava em extinção no país. Moléstias como a cólera, a leishmaniose, a leptospirose e a hanseníase lembram, no país, que a melhoria dos indicadores sociais não foi capaz de eliminar esses fatores que prejudicam os índices de desenvolvimento humano das cidades brasileiras.

Grandes cidades, especialmente no Rio, Rondônia e Mato Grosso, correm risco de um novo surto de dengue neste ano. Segundo o Ministério da Saúde, ocorreram 32 mil casos da doença e 17 de febre hemorrágica só no primeiro bimestre do ano. A chegada de um novo sorotipo do vírus aumenta os riscos, porque pessoas antes infectadas não estão imunes a esse novo causador da doença, pelo contrário: uma nova infecção pode provocar dengue hemorrágica, fatal em muitos dos casos.

O verão calorento, vastas áreas com lixo sem tratamento e maus hábitos da população contribuem para elevar a quantidade de mosquitos e facilitar a disseminação do dengue. Enquanto não se descobrir uma vacina para a doença, haverá risco de epidemia em todo verão, alerta o secretário de Vigilância da Saúde, Jarbas Barbosa. "Estamos tentando evitar a repetição da epidemia de 2002, quando houve quase 800 mil casos, com 150 mortes", diz.

Segundo o ministério, sete Estados concentram quase 70% dos casos registrados no começo do ano. Nos bairros cariocas de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, em Rondonópolis e Várzea Grande (MT) e em Porto Velho, na Rondônia, há risco real de surto. Estão em estado de alerta as cidades de Niterói, no Rio; Belém, no Pará; Ji-Paraná, em Rondônia; as mineiras Uberaba e Uberlândia; as paulistas Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.

Apesar dos problemas, o Brasil tem uma rede de prevenção e atendimento de melhor qualidade que a maioria dos países da América Latina, responsável, por exemplo, pelo fim de moléstias como o tétano neo-natal. O país está, com o Chile e Colômbia, entre os países da América Latina com melhores indicadores de controle das doenças infecciosas e parasitárias e a cobertura de vacinas é de 100% da população. Algumas doenças foram eliminadas, como o sarampo, que, nos últimos anos, só afetou brasileiros contaminados em outros países. A ação do sistema de vigilância em saúde, no ano passado, reduziu a quantidade de casos de cólera a apenas um doente, em Recife, e quatro, na cidade próxima de São Bento do Una.

O sistema é criticado, porém, pela falta de preparo dos médicos e agentes de saúde, fora das regiões de endemia, para lidar com certas doenças da pobreza. Como aponta o professor da Universidade de Brasília Pedro Luiz Tauil, a descentralização do sistema de vigilância e atendimento, desde 1999, aumentou a "massa crítica" de pessoas cuidando do problema, mas falta a expertise que se concentrava nos órgãos federais antes encarregados do combate a essas moléstias. Organizações não-governamentais criticam também a carência de pesquisas para tratamentos mais eficazes às chamadas "doenças negligenciadas", mais freqüentes entre os pobres.

Os defeitos do sistema de atendimento, antes excessivamente centralizado, levaram o país a falhar, por exemplo, na meta de eliminação de outra doença séria, a hanseníase. A meta, antes fixada em 2000 foi, em compromisso com a Organização Mundial da Saúde (OMS), adiada para 2005. Agora, o país tenta eliminar a doença até 2010.

A OMC considera eliminada a hanseníase em um país quando os casos constatados não passam da proporção de um doente para cada 100 mil habitantes. O Brasil, único das Américas que não eliminou a doença, conseguiu uma redução impressionante, de 4,5 por 100 mil em 2003 para 1,7 em 2004, mas menos de 30 municípios estão com índices abaixo de um. Essa situação coloca o país atrás de nações pobres como o Congo. Se avaliada por regiões, o ministério, que gastou R$ 13 milhões em 2005 no controle da hanseníase, considera a doença eliminada no Sul e no Sudeste, mas a situação é crítica especialmente no Pará e Mato Grosso. "Chegaremos, em 2006, à meta para o país, ou muito próximo dela", garante Jarbas Barbosa. (SL)