Título: MP denuncia 40 por formação de quadrilha
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Política, p. A12

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra 40 pessoas envolvidas com o esquema do mensalão. Diferentemente da CPI dos Correios, o procurador optou por enquadrar José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Sílvio Pereira, Marcos Valério de Souza e outros envolvidos no crime de formação de quadrilha. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi poupado também pelo Procurador.

Todos os 40 nomes constavam do relatório final da CPI dos Correios, que pediu o indiciamento de todos por diversos crimes, principalmente corrupção ativa, mas não por formação de quadrilha. O procurador-geral apresentou a denúncia no dia 30 de março. Ontem, durante a entrega do relatório final da CPI para o Ministério Público, Souza comentou a denúncia. "Parte do trabalho está concluída. Não revelei o oferecimento da denúncia antes porque não queria influenciar politicamente na elaboração do relatório final da CPI", afirmou. O ex-presidente da comissão e senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o ex-relator e deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) estiveram com Souza na tarde de ontem para levar o documento final da CPI.

A denúncia foi oferecida ao ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do caso do mensalão. O Supremo Tribunal Federal só deverá julgar o inquérito do mensalão no ano que vem, bem depois, portanto, das eleições de outubro. Barbosa disse, ontem, que irá demorar para colocar o processo na pauta de julgamentos do tribunal, pois há muitos envolvidos. Cada um dos 40 indiciados terá de ser notificado para apresentar defesa. As defesas serão apresentadas individualmente. Eles terão 15 dias para se defender. Neste período, cada um dos indiciados poderá consultar o processo. Ou seja, retirar os autos para examiná-los. Isso fará com que os prazos para apresentação de defesa sejam interrompidos diversas vezes. "Neste ano, dificilmente julgaremos", afirmou Barbosa. Ele prevê o início do julgamento para "o ano que vem". O ministro Joaquim Barbosa revogou, também ontem, o segredo de Justiça do inquérito do mensalão no STF. As informações protegidas por sigilo bancário, fiscal ou telefônico serão lacradas pela secretaria do tribunal. Somente os advogados dos investigados terão acesso a essas informações. As demais informações tornaram-se públicas. A demora processual evitará, porém, que o processo jurídico do mensalão influencie no processo político das eleições. Durante o período eleitoral, não haverá notícia de que o processo jurídico entrou em pauta, muito menos de que o STF aceitou a denúncia.

Para o procurador-geral, o mensalão existiu e foi orquestrado por uma "organização criminosa dividida em três núcleos distintos". Na denúncia, Souza faz uma separação clara entre os diferentes braços do esquema. No primeiro, batizado por ele como o núcleo "político-partidário", atuaram o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e o ex-secretário geral da legenda, Sílvio Pereira. Esse grupo "pretendia garantir continuidade de poder do PT, mediante compra e suporte político de outros partidos políticos e do financiamento futuro e pretérito das suas próprias campanhas". O quarteto, inclusive, é tido por Souza como "responsável pelas diretrizes repassadas aos demais núcleos".

No segundo núcleo, batizado de "publicitário-financeiro", os principais expoentes são os donos das agências SMP&B e DNA Marcos Valério de Souza, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Ramon Hollerbach e suas diretoras Simone Vasconcelos e Geiza Dias. No terceiro núcleo, denominado "financeiro" estão os banqueiros do Rural, instituição financeira apontada como irrigadora do valerioduto: Augusto Dumont, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane.

Na opinião de Souza, o mensalão foi inaugurado pelo núcleo "publicitário-financeiro" em 1998, na campanha do senador Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais. O parlamentar tucano não foi indiciado porque o caso dele tramita em processo distinto ao do mensalão e ainda não chegou a seu final. Sobre Lula e seu filho, Antonio Fernando de Souza afirma que nada foi provado. "Dentre os documentos analisados e nos depoimentos colhidos, não há nenhuma referência ao presidente Lula", afirmou.

Dirceu, Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira são indiciados pelos crimes de formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. Marcos Valério é enquadrado, além da formação de quadrilha, em crimes de falsidade ideológica, peculato, corrupção ativa, crime contra a Administração Pública e o sistema financeiro e evasão de divisas. O ex-secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, foi incriminado por prática de peculato por conta do episódio de antecipação de verbas pelo Banco do Brasil ao fundo Visanet, considerado uma das principais fontes financeiras do valerioduto. Já o publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes foram enquadrados em evasão de divisas e crimes contra a Administração Pública e o sistema financeiro.

O procurador-geral também pede o indiciamento dos deputados acusados de serem beneficiados pelo mensalão. O ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) é o primeiro da lista e está indiciado por corrupção passiva, peculato e crimes contra o sistema financeiro e a Administração Pública. Na semana passada, a Câmara livrou o petista da cassação.

No PP, os denunciados são os deputados José Janene (PR) e Pedro Henry (PR), esse último absolvido pela Câmara. Pedro Corrêa (PE), cassado pelos colegas, também é indiciado. No PL, o maior responsabilizado é o presidente do partido, Valdemar Costa Neto (SP), que renunciou ao mandato. Carlos Rodrigues, absolvido pelos colegas, também está entre os indiciados. No PTB, Roberto Jefferson (RJ), autor das denúncias, réu confesso e cassado pelos colegas, é indiciado. Romeu Queiroz (MG), salvo pelos colegas, também. No PMDB, apenas José Borba (PR), que deixou o cargo, é denunciado, enquanto no PT os deputados Paulo Rocha (que renunciou ao mandato), João Magno (MG) e Professor Luizinho (SP), ambos absolvidos pelo plenário, estão na lista do procurador. O ex-ministro Anderson Adauto também foi indiciado. Os demais parlamentares envolvidos seguem sob investigação. "Alguns remanescentes seguem sendo investigados, mas ainda não permitiram juízo de arquivamento. Podem haver novos indiciamentos", afirma Souza.

O ex-presidente nacional do PT, José Genoino, um dos quarenta denunciados por formação de quadrilha e considerado um dos chefes do mensalão, considerou uma "grande injustiça" a denúncia: "Nunca me reuni com parlamentares para tratar de votações nem tive qualquer relação com as empresas de Marcos Valério". O coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos, Luiz Gushiken, ex-ministro da Secretaria de Comunicação, também contestou a denúncia do procurador Antônio Fernando de Souza, afirmando que vai provar na Justiça que não cometeu irregularidades