Título: Oposição terá vitória de Pirro sem governo estável
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Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Internacional, p. A15

Para um país que precisa de reformas urgentes para reverter um quadro econômico que o FMI definiu como muito preocupante, a Itália deu um importante passo, mas para trás. Não bastasse a eleição de um governo dividido, e portanto fraco, o país mergulhou numa crise institucional com a contestação do resultado pelo premiê Silvio Berlusconi, derrotado pelo oposicionista Romano Prodi.

O mercado captou a instabilidade política e reagiu negativamente ontem. A economia italiana estagnou em 2005, e os dados iniciais deste anos não são animadores.

A crise política pode levar semanas, talvez meses para ser resolvida. Se o impasse persistir ou se Berlusconi retomar o controle do Senado, é possível que sejam convocadas novas eleições. Enquanto isso, o governo fica à deriva.

Berlusconi pode ter uma atitude nobre e desistir de contestar a vitória da oposição, como fez o americano Al Gore diante do impasse nas eleições presidenciais nos EUA em 2000. Mas não é esse o perfil do premiê italiano, personalidade persistente e obcecada pelo poder.

Caso Prodi finalmente seja confirmado, a sua pode ser uma vitória de Pirro. Sua coalizão teve um desempenho aquém do esperado nas eleições (pesquisas indicavam uma vitória por cinco pontos de diferença, e o que ocorreu foi um virtual empate). Será muito difícil governar com uma maioria tão apertada no Senado e dependendo de tantos partidos aliados.

Num regime parlamentarista, a força do governo é dada pelo tamanho da maioria de que dispõem no Parlamento e pela composição dessa maioria. O premiê britânico Tony Blair, por exemplo, tem uma maioria folgada e depende apenas do seu Partido Trabalhista para governar. No Reino Unido há poucos partidos, e assim as crises de governo são raras.

Na Itália, nada menos do que doze partidos aliados de Prodi elegeram deputados ou senadores (veja lista acima). Vão desde democratas-cristãos e liberais a comunistas e verdes. Muitos têm pouco em comum, a não ser a momentânea aliança eleitoral. Obter consenso para reformas impopulares será missão quase impossível.

Um exemplo: o novo governo terá de cortar o déficit público, que ficou em 4,3% do PIB no ano passado e deve bater em 4% novamente este ano (bem acima dos 3% previstos pelos acordos da União Européia). Se nada for feito, o déficit cresce vegetativamente, por conta do envelhecimento da população, que implica mais aposentados, mas gastos com saúde de idosos e menos trabalhadores na ativa.

Mas cortar o quê? Há dois partidos comunistas na coalizão de Prodi, e eles dificilmente permitirão cortes profundos em benefícios sociais ou de aposentados. Foi um desses partidos, a Refundação Comunista, que derrubou Prodi no seu primeiro governo, em 1998, após pouco mais de dois anos no cargo. À época, o pomo da discórdia foi a participação da Itália na invasão da Iugoslávia pela Otan, devido à crise em Kosovo.

"Uma maioria apertada certamente torna muito difícil para Prodi aprovar medidas para estimular o crescimento e equilibrar as contas públicas", afirmou Salvatore Zecchini, professor de economia na Universidade de Roma.