Título: Peru caminha para novo período de instabilidade
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Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Opinião, p. A16

Sejam quais forem os candidatos no segundo turno nas eleições presidenciais - o ex-tenente- coronel Ollanta Humala até agora é a única certeza - o Peru entrou novamente em zona de instabilidade. Os governos democráticos têm vida curta e caótica no país, e o que expira, o de Alejandro Toledo, é uma exceção que quase confirma a regra. Com a economia em franco crescimento - acima dos 5,5% ao ano - Toledo é, pelas pesquisas, o mais impopular dos presidentes da América do Sul e seu partido rasteja para ultrapassar a barreira dos 4% que lhe dará sobrevivência no Congresso unicameral. O atual presidente foi incapaz de cumprir suas promessas e 52% da população peruana continua como estava no início de seu mandato - na faixa de pobreza absoluta.

Com 84% dos votos apurados, o ex-militar golpista Ollanta Humala, da União pelo Peru, beira os 30%. Seus adversários, Lourdes Flores, da centro-direita Unidade Nacional, e Alan Garcia, populista da Aliança Popular Revolucionária Peruana (APRA) lutam palmo a palmo, mas com vantagem para o primeiro - 24,7% a 23,6%. O mapa verdadeiro da governabilidade do país passa pela votação para o Congresso, onde os adeptos de Humala obtiveram 43 das 120 cadeiras, diante de algo como 35 do APRA e 19 dos partidos que apóiam Lourdes. O restante se divide entre uma bancada expressiva dos que sonham com a volta de Alberto Fujimori - que fechou o Congresso em 1992 e saiu fugido do país sob denúncias de corrupção e violação dos direitos humanos - que terão 15 deputados, e uma miríade de pequenos partidos. Se não bastasse a polarização eleitoral, a matemática aponta para a pouca viabilidade de um governo com maioria no Parlamento. Essa é uma receita certa para a paralisia ou as tentativas de golpe.

Os riscos se distribuem igualmente em torno da vitória de cada candidato. Ollanta Humala foi considerado parte da onda esquerdista que varre a América do Sul, em especial sua porção andina. É um engano. Formado na escola de ditadores, a Escola das Américas, no Panamá, e autor de uma tentativa de golpe contra Fujimori, Humala é um direitista que não nutre simpatias pela democracia. Sua plataforma eleitoral se assemelha à de Evo Morales e sua retórica à de Chavez, o que lhe deu um apoio natural de um eleitorado que nas pesquisas também tem mostrado pouco apoio ao regime democrático, porque dele tem recebido pouca coisa em troca.

Humala promete vida dura para os investimentos externos em mineração, a grande riqueza peruana - na última década, o país recebeu US$ 27 bilhões para gás, petróleo e minérios. As promessas de Humala ora tendem para o aumento dos impostos, ora são um flerte com a expropriação. Estão com os dias contados os contratos de estabilidade, assinados durante a era Fujimori, pelo qual os investimentos de multinacionais escaparam de boa parte da taxação e foram isentos do pagamento de royalties de 3%. Humala quer uma radical reforma política com a convocação de uma Assembléia Constituinte, para a qual não está nem perto de ter os dois terços de apoio necessário. Seus opositores dizem que suas tentativas de golpe começarão por aí. Confirmado para o segundo turno, Humala já suavizou seu discurso para acalmar os investidores, em uma guinada pouco crível.

Alan García quase destruiu o país quando o governou entre 1985 e 1990. A inflação do período passou dos 7000% e seu mandato foi marcado por denúncias de corrupção, nacionalização dos bancos e pelo auge da guerrilha maoísta do Sendero Luminoso. Foi o canto do cisne do primogênito dos partidos populistas de massa do continente, o APRA, fundado nos anos 20 por Haya de la Torre. García também é temido pelos investidores e sua plataforma é uma mistura de impulsos populistas - prometeu baixar o preço dos serviços públicos - e vaguezas sobre a necessidade de aumentar a produção nacional.

Flores tem uma plataforma liberal, pouco popular, e o baixo número de deputados eleitos por sua coligação indicam que, ainda que seja vitoriosa, terá péssimas condições para governar. Com as maiores bancadas nas mãos de García e Humala, e com os fujimoristas correndo por fora, o impulso para reformas seria nulo.

O resultado das urnas consagra a perspectiva do caos. Mesmo Humala mostrou ter menos força política do que se esperava. Nenhum dos partidos tem maioria legítima e o segundo turno pode ser apenas uma trégua no processo de decomposição política do país.