Título: Vítimas da turbulência
Autor: Pavini, Ângelo
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2006, Eu & Investimentos, p. D1

O mês de março e suas turbulências deixaram marcas profundas na rentabilidade dos fundos multimercados. A maioria das carteiras foi pega de surpresa pela queda da bolsa e a alta do dólar e dos juros e, com isso, perdeu o ritmo de fortes ganhos que vinha registrando desde julho do ano passado. Na lista das 22 carteiras que formam o Índice de Fundos Multimercados (IFM) da consultoria RiskOffice - que seleciona os maiores fundos abertos do mercado para aplicações-, seis tiveram perdas, 15 renderam menos que o CDI e somente um superou o referencial.

Apesar disso, a maioria ainda ostenta ganhos robustos no ano, bem superiores ao CDI. Mas, mais do que as perdas, as turbulências de março, com a troca de ministro da Fazenda no Brasil e o receio de alta maior dos juros nos Estados Unidos, trouxeram novas preocupações aos gestores, que estão revendo suas estratégias para enfrentar tempos mais difíceis, de mercados mais voláteis e menor previsibilidade nas aplicações.

A piora no desempenho fez o IFM fechar março com alta de 0,40%, bem abaixo do CDI, de 1,47%, e dos 2,06% de fevereiro. No ano, porém, o indicador acumula 6,35% de alta, para 4,09% do CDI. O IFM não replicável, que engloba os fundos fechados para captação, teve desempenho melhor, de 0,72%, mas também baixo do referencial. O motivo do ganho maior seria a maior liberdade do gestor de um fundo fechado, que, sem se preocupar tanto com saques, pode fazer as mudanças na carteira com mais calma, diz Fernando Lovisotto, sócio da RiskOffice. Boa parte das perdas dos multimercados ocorreu quanto eles tiveram de reduzir ou zerar as aplicações que tinham em alguns mercados, o que acentuou os prejuízos.

Lovisotto lembra que março foi o segundo mês ruim para o Ibovespa, o que atrapalhou muitas carteiras que aplicam em bolsa. A alta do dólar, de 1,26%, também provocou prejuízos para a maior parte dos gestores, que apostavam na queda da moeda americana. Além disso, os papéis do Tesouro indexados à inflação do IPCA, as NTN-Bs, outra aplicação que ganhou espaço nas carteiras multimercado neste ano, perderam valor com a instabilidade e a alta dos juros. O IMA-B, indicador dos preços desses papéis, caiu 0,38%.

Entre os poucos fundos que foram bem está o BNP Paribas Hedge, que fechou o mês com ganho de 1,80%. A carteira foi buscar esses ganhos bem longe, na Nova Zelândia, explica Marcio Fontes, diretor de multimercados da BNP Paribas Asset. "Procuramos trabalhar com a ótica do investidor internacional e vimos uma oportunidade apostando contra o dólar da Nova Zelândia", explica. A moeda daquele país já perdeu quase 15% de seu valor este ano e, por meio de operações de "swap" (troca), proporcionou quase 1 ponto percentual de ganho para o fundo do BNP em março.

Segundo Fontes, a aplicação levou em conta o forte déficit de contas externas do país, baixo crescimento e juro em torno de 7,5% ao ano. "O Brasil está muito melhor em termos macroeconômicos e isso favoreceu nossa estratégia de comprar reais e vender a moeda da Nova Zelândia", explica. Ele diz que o fundo já reduziu essa estratégia, mas continua observando oportunidades semelhantes de desvalorização. "Estamos acompanhando hoje países como África do Sul e Turquia, que têm fortes déficits de conta corrente", diz.

O fundo também acertou ao sair de NTN-Bs no fim de fevereiro, escapando da queda dos papéis em março. "O papel já havia subido muito e ficou sem muita liquidez", explica Fontes.

Neste mês, o BNP Hedge está com aplicações menores e de menor prazo, prevendo um mercado mais errático. "Adotamos uma posição mais arisca", diz Fontes. No longo prazo, porém, o fundo continua apostando no real, acreditando que, mesmo que haja uma alta dos juros internacionais e uma redução dos fluxos para emergentes, o país continuará atrativo ao manter boa situação de contas externas.

Já o Fator Alpha Ações sofreu com a forma de marcar a mercado os valores de seus ativos e com a aposta em papéis da Telesp Celular/Vivo, explica Roseli Machado, diretora responsável pela Fator Administração de Recursos (FAR). O Alpha é um fundo de ações que compra uma carteira de papéis e vende o Índice Bovespa futuro. Mas, na hora de atualizar os valores a mercado, precisa usar o preço médio para a carteira de ações e o preço de fechamento do índice. "Isso provoca uma distorção porque se o mercado mudar na meia hora final do pregão, quando é calculado o índice futuro, podemos perder mais", diz ela. No caso da Vivo, o fundo acreditava que a empresa recuperaria a lucratividade. Mas a forte concorrência da TIM e da Claro acabaram assustando o mercado e derrubaram as ações.

Roseli lembra que o aumento da volatilidade provocou uma redução geral de aplicações feitas pelos fundos, o que acentuou as perdas. Daqui por diante, o mercado seguirá sem muita definição e volátil, pelo menos até junho, quando se define o cenário eleitoral brasileiro e o fim ou não da alta dos juros nos Estados Unidos, acredita. As carteiras da Fator reduziram bastante as aplicações em câmbio e, em bolsa, se concentram em operações de arbitragem. Além disso, encurtaram os prazos nos juros.

Nos níveis atuais, a aposta no real perdeu a atratividade, diz Marcelo Karvelis, da Claritas Investimentos, que zerou as aplicações contra o dólar, principais responsáveis pelas perdas de março. Ele ainda acredita na queda dos juros no longo prazo e mantém apostas firmes nas NTN-Bs. "Estamos otimistas em linhas gerais, mas com mais atenção para as questões da eleição e de ajuste fiscal", diz.

Com relação ao desempenho no ano, chama a atenção o fundo Santander Banespa Dinâmico, com 10,26% acumulados apesar da perda de 0,13% em março. Trata-se de uma carteira quantitativa, onde as aplicações são definidas por modelos matemáticos e estatísticos, e que costuma ir bem em momentos de mercado com tendência, diz Alexandre Silverio, superintendente de renda variável da Santander Banespa Asset Management. O fundo ganhou muito dinheiro com o modelo de dólar e bolsa no início do ano, os mesmos que resultaram em perdas em março. "Neste momento, o sistema de bolsa está recomendando compra", diz Silverio. O fundo aplica ainda em café, Índice Bovespa futuro e juros DI.