Título: Crise política faz SAs repensarem doações eleitorais
Autor: Mandl, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2006, Empresas, p. B1

Nas eleições de 2002, a Natura doou R$ 100 mil para o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e para os candidatos ao Senado Marina Silva (PT-AC) e José Aníbal (PSDB-SP). A Localiza preferiu destinar R$ 348 mil para a candidatura de Aécio Neves (PSDB-MG) ao governo, além de outros cinco aspirantes a deputados e senadores de Minas Gerais, Estado onde fica a sede da empresa.

Neste ano, porém, nenhum partido receberá um centavo nem da fabricante de cosméticos nem da locadora de veículos. Depois de lançarem suas ações em bolsa recentemente, ambas as empresas decidiram deixar de fazer doações para campanhas eleitorais.

Em meio aos recentes escândalos de mensalão e de doações não-contabilizadas, algumas companhias estão repensando sua postura em relação ao financiamento de campanhas.

"Com a abertura de capital, a Natura ganhou mais de cinco mil acionistas. Seria difícil conciliar os interesses políticos de tantas pessoas", afirma Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura, que lançou ações em bolsa em 2004 no Novo Mercado, nível da Bovespa com as regras mais rígidas de governança corporativa.

Além disso, segundo o executivo, é difícil garantir que um candidato vá seguir ao longo de seu mandato os mesmos valores que a Natura tem.

A decisão veio depois que a fabricante fez uma pesquisa com diversas empresas do mundo inteiro reconhecidas pela governança corporativa. "A maioria delas não faz doações. Como a Natura está numa fase de internacionalização, decidimos também não doar. Não queremos gerar questionamentos que possam nos atrapalhar", diz Guttilla.

Para a Localiza, o fator que mais pesou na decisão de não mais doar foi ter como investidores muitos estrangeiros, que desconhecem os meandros do sistema político brasileiro.

Ao mesmo tempo em que a postura das empresas em relação às doações para campanhas começa a ser repensada, analistas e investidores também estão cobrando mais transparência delas. "Queremos as informações muito às claras. É preciso saber quanto foi doado, para quem e quais foram os objetivos", afirma Haroldo Levy Neto, presidente da Apimec-SP, associação dos analistas. O tema será discutido pela entidade em sua próxima reunião anual, em 19 de abril.

Apesar de serem obrigadas a tornar públicas suas doações para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucas empresas discutem esse assunto com seus acionistas. Das dez maiores doadoras de capital aberto em 2002, nenhuma abriu esse tipo de informação em seu balanço, segundo levantamento feito pelo Valor.

-------------------------------------------------------------------------------- Esse tipo de informação precisa ser detalhada. Ao se apoiar um candidato se ganha ou se perde negócio" Marcelo Mesquita, estrategista de investimentos do banco UBS --------------------------------------------------------------------------------

"A postura deveria ser outra. Como as empresas de capital aberto têm muitos acionistas, todos deveriam estar por dentro desse tipo de despesa", diz Heloísa Bedicks, secretária-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

A realidade é bem diversa disso. Por serem consideradas um valor "imaterial" pelas regras contábeis, as doações acabam não sendo alvo de detalhamento em notas explicativas.

Nem todos os investidores, no entanto, consideram as doações tão irrisórias assim para os resultados das companhias. "Esse é um tipo de informação que precisa ser detalhado. Afinal ao se apoiar esse ou aquele candidato se ganham ou se perdem negócios", diz Marcelo Mesquita, estrategista de investimentos do banco UBS.

Na contabilidade das empresas, as doações entram como uma despesa, ou seja, diminuem o lucro que o acionista receberá. Além disso, por ser um gasto que não faz parte da atividade da companhia, ele é tributável em separado.

Por outro lado, não doar para nenhum candidato, decisão adotada pela Natura e pela Localiza, também pode gerar um custo indireto: ser menos favorecido pelo candidato eleito.

"Uma empresa não faz uma doação para um político. O que ela faz é um investimento, já que cogita ter um retorno. Então essa informação precisa ser dada para que os acionistas possam decidir se concordam ou não com aquilo", explica o professor de filosofia da Universidade de São Paulo, Renato Janine, especialista em ética.

Mas nem todos investidores e empresas concordam com esse raciocínio. A AmBev, por exemplo, doa quantias iguais para todos os partidos porque diz acreditar que dessa foram está contribuindo para o processo democrático do país.

"Não vejo problema em uma companhia apoiar candidatos políticos porque ela também é um agente da sociedade. Só gostaria de ver essa informação justificada no balanço para saber se concordo ou não com o gasto daquele dinheiro", afirma Alexandre Povoa, gestor de recursos da Modal Asset Management.

Mas, se depender da entidade que representa todas as empresas com investidores, a Associação Brasileiras das Companhias de Capital Aberta (Abrasca), o maior acesso as informações não deve acontecer tão cedo.

"Jamais discutimos esse assunto na Abrasca. Mas eu acredito que esse é um tipo de dado que requer um certo grau de sigilo, até para evitar que os candidatos achaquem as companhias", afirma Alfredo Plöger, presidente da associação.

O Valor procurou 20 companhias com ações listadas em bolsa para que elas informassem por que doam ou não dinheiro para campanhas eleitorais e como decidem qual candidato beneficiar. Desse grupo, apenas três empresas responderam às perguntas da reportagem - Natura, Localiza e AmBev. Outras quatro enviaram um e-mail apenas informando que faziam as doações de acordo com as leis. As demais não retornaram as ligações.