Título: Amorim admite fracasso e diz que só cúpula de líderes pode salvar Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2006, Brasil, p. A2

Nelson Perez/Valor Celso Amorim: "Já fizemos muitos movimentos e não há razões para fazer mais, sem ter certeza que outros vão se mover" O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi especialmente incisivo ontem sobre o risco de novo fiasco no fim deste mês na negociação para liberalizar o comércio mundial, conhecida como Rodada Doha. "A menos que haja um gesto forte proximamente, não vejo nada no momento que permita um acordo", disse o ministro ao Valor por telefone, de Tóquio, onde se encontra.

Além de avaliar como remotas as chances de acordo sobre cortes de tarifas e subsídios agrícolas e industriais dentro de três semanas, o ministro disse que em seguida só com "dose forte de liderança política" é que poderá haver avanço na negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Sob pressão da União Européia e dos Estados Unidos para fazer concessões nas áreas industrial e de serviços, Amorim afirmou: "Já fizemos muitos movimentos e não há razões para fazer mais, sem ter certeza de que outros vão se mover em agricultura."

Em Genebra, importantes negociadores também acham que o prazo de abril está comprometido e que o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, vai tentar que o acordo inicial ocorra até julho, afim de poder manter Doha nos trilhos.

No entanto, as declarações de Amorim indicam que também outro prazo estará ameaçado pela atual abordagem da negociação "incremental", de lentos e sucessivos passos. Para o ministro, a solução é um encontro logo de cúpula de líderes políticos para tomar decisões que os ministros já não podem tomar, como concessões mais ambiciosas.

Nesse contexto, ele recebeu com esperança uma notícia publicada pelo jornal inglês "The Guardian", de que o primeiro-ministro britânico Tony Blair mantém intensivas discussões com o presidente americano George Bush e a chanceler alemã Angela Merkel para preparar o terreno no caso de nova crise na negociação na OMC.

Ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "possivelmente" participará da Cúpula União Européia-América Latina de 11 a 13 de maio em Viena (Áustria) se houver "massa crítica", ou seja, número suficiente de presidentes para discutir justamente temas como o desbloqueio da Rodada Doha.

Sobretudo, Lula vai querer discutir a negociação comercial na sua participação no G-8, espécie de diretório mundial que será realizado em julho em São Petersburgo (Rússia), no qual estarão presentes Bush, Blair, Merkel e o presidente francês Jacques Chirac, um dos líderes do protecionismo agrícola.

Para o Brasil, o problema é que a atual abordagem da negociação na OMC não conduz a resultados ambiciosos de abertura de mercado que um país como o Brasil busca para suas exportações. E tampouco permite que Brasília faça as concessões cobradas nas áreas industrial e de serviços.

"Há decisões que nem os ministros podem mais tomar", afirmou Amorim. "E mesmo no que os ministros dizem sim, mais tarde os técnicos voltam atrás." Exemplificou com a decisão tomada no Rio de Janeiro para os negociadores fazerem uma simulação completa dos subsídios agrícolas domésticos. Em reunião em Genebra, nada ocorreu. "Ninguém colocou os números na mesa, que dariam transparência e se poderia saber do que estamos falando", disse.

Em Washignton, a Coalizão Empresarial Americana por Doha (American Business Coalition for Doha, ABCDoha) indicou apoio para o progresso nas negociações de serviços, mas voltou a cobrar concessões de países em desenvolvimento. Diz que a OMC identificou 157 diferentes setores de serviços nos quais os países podem assumir compromissos para liberalizar seus mercados. Mas uma avaliação mostra que o Brasil só fez 15% desses compromissos, a Índia 21%, e Malásia 32%. "Melhor 15% em serviços do que nada em agricultura", reagiu o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo.

A expectativa em Genebra é sobre o que vai acontecer na próxima semana, em sessões especiais de negociações agrícola e industrial. Lamy decidirá então se convoca uma reunião de ministros no fim do mês para definir "os próximos passos". Certas delegações acham que, a persistir o impasse atual, o melhor mesmo é poupar o dinheiro dos contribuintes e deixar os ministros em suas capitais.