Título: Aérea paga US$ 2,2 milhões por dia à BR para voar
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2006, Empresas, p. A13

A Varig está pagando US$ 2,2 milhões por dia a vista e em dinheiro à BR Distribuidora, uma de suas principais credoras, para continuar voando. A estatal, segundo o presidente da aérea, Marcelo Bottini, tem sido um entrave nas negociações com os demais credores para obtenção de prazos mais longos de pagamento de seus gastos correntes. A BR fornece 75% do combustível usado pela Varig.

Bottini enfatizou mais de uma vez que a Varig não está pedindo dinheiro ao governo e sim uma carência de pagamento, no caso da BR, de 90 dias, para enfrentar o período de baixa temporada (abril, maio e junho), quando tradicionalmente as receitas da companhia diminuem. "A Varig não está pedindo dinheiro a ninguém. O que queremos é um acordo comercial, que daria fôlego para gerar caixa", disse. A BR não quis se pronunciar sobre o assunto.

O presidente da Varig lembrou que a necessidade de um aporte extra de recursos para compor o caixa da empresa durante o período de regulamentação dos fundos de investimentos em participações (FIPs), que coincide com a baixa estação, já estava previsto no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores em dezembro do ano passado. Os FIPs serão a porta de entrada dos investidores que desejarem investir recursos na companhia. "Estamos falando de um credor [BR] que está dentro do plano de recuperação e que aprovou essa plano duas vezes. Essa é a diferença. Não é só um fornecedor", disse Bottini.

O consultor da Alvarez & Marsal, responsável pela reestruturação da companhia dentro do seu plano de recuperação judicial, Luis de Lucio, explicou que o plano funciona como uma "mesa de quatro pés, formada por BR, empregados, empresas de leasing e a Infraero". Para esta mesa ficar de pé, diz, todos devem negociar de alguma maneira. "As quatro pernas têm de funcionar juntas. Com a BR está muito complicado e as outras três dependem disso", afirmou.

A Infraero, segundo Bottini, tem se mostrado mais aberta nas negociações, apesar de ainda não ter informado oficialmente se vai aceitar o pedido de suspensão temporária do pagamento das tarifas aeroportuárias feito pela aérea. Com relação às empresas de leasing, ele reafirmou que elas estão tendo mais boa vontade com a Varig do que o governo.

A Alvarez & Marsal foi contratada pela Varig para elaborar um plano emergencial para a companhia durante a baixa temporada. Lucio alertou, no entanto, que "hoje o sucesso do plano emergencial depende da BR".

A proposta da Alvarez & Marsal prevê a demissão de 2,9 mil funcionários e a redução dos salários. De junho até março, 1.489 funcionários foram desligados da empresa. A folha bruta de pagamentos, que era de US$ 21,9 milhões, em junho de 2005, passou para US$ 18,7 milhões, em março de 2006, o que significa uma redução de US$ 3,2 milhões ao mês.

Bottini citou ainda a tentativa de retomar o crédito de 60 dias junto à BR, que tem sinalizado que não vai dar crédito à Varig sem garantias. Nos anos 70, disse, a Varig foi procurada pelo ex-ministro Shigeaki Ueki no período de criação da BR. "Para fazer crescer uma empresa brasileira, a Varig transferiu seu abastecimento para a BR. Em nome do Brasil."

Bottini afirmou que as negociações com a União estão caminhando, apesar de o presidente Luís Inácio Lula da Silva ter dito que "não é papel do governo salvar empresa falida". "Não referendamos o que está no jornal como sendo palavra do presidente. Temos visto que a coisa caminhou", disse.

Em resposta ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmou que o governo não vai dar dinheiro à Varig, Bottini disparou: "Eu nunca pedi dinheiro à Fazenda. O governo é que está nos devendo dinheiro", disse, referindo-se aos cerca de R$ 4,5 bilhões que a Varig cobra da União por conta das perdas causadas pelo congelamento de tarifas nos anos 80.

Ontem, o juiz Evandro Guimarães, da 14 Vara do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), autorizou o arresto dos bens da Varig por seus empregados. Segundo o advogado do escritório Bezerra, Neves e Costa, José Crescêncio da Costa Jr, representante dos trabalhadores, a ação foi movida pelas associações que fazem parte do Trabalhadores do Grupo Varig (TGV) e do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Os bens da companhia ficariam retidos dentro de uma nova empresa denominada VarigOP. O passivo da companhia, de cerca de R$ 7 bilhões, permaneceria na Varig antiga. Cabe recurso à decisão.

O pedido dos trabalhadores também prevê a utilização de R$ 200 milhões dos R$ 600 milhões que o fundo de pensão Aerus teria em caixa para cobrir os gastos correntes da Varig.

A intervenção da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) no Aerus inviabilizaria a tentativa dos trabalhadores de capitalizar a companhia. Crescêncio informou, no entanto, que os trabalhadores pretendem entrar com uma ação civil pública para reverter a decisão da SPC.