Título: Parte da UE vive crise de competitividade, diz premiê finlandês
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2012, Imternacional, p. A11

Os problemas da Europa não se resumem à crise da dívida. Alguns países passam por uma crise de competitividade. É o que diz o primeiro-ministro da Finlândia, Jyrki Katainen, que esteve ontem em São Paulo à frente da segunda maior comitiva empresarial da história do país nórdico.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Katainen, de apenas 40 anos, falou também sobre a Grécia. Ele rejeitou a acusação do governo grego, de que alguns países querem o país fora da zona do euro. "Não é verdade que alguns países-membros gostariam de não ter mais a Grécia como participante do euro. Há grandes riscos se um país deixar a zona do euro. Tememos que o foco recairia sobre outro país. Se a Grécia sair, o mercado começará a se perguntar quem será o próximo", disse.

Conter esse risco de contágio é o principal desafio das autoridades europeias. Para isso, "eles [os gregos] têm de fazer a parte deles."

A Finlândia é um dos países que cobram uma linha dura em relação à ajuda financeira à Grécia. Katainen questiona, por exemplo, o fato de várias promessas gregas não terem sido cumpridas. "Há questões que eles não implementaram e que são cruciais para nós. Há uma lista, como medidas orçamentárias e reformas estruturais que ainda não foram feitas. Por exemplo, o programa de privatizações ainda não começou. Ainda que a Grécia não seja uma economia grande, só 2% da zona do euro, o risco de contágio é grande."

É grande, mas é bem menor do que já foi. Para o premiê, um default grego hoje teria um impacto muito menor. O governo grego vem negociando com credores uma redução de até 50% em parte da dívida do país.

"Um ou dois anos atrás, o default teria sido um desastre. Teríamos visto algo parecido com o que ocorreu após a quebra do Lehman Brothers. Agora o risco é menor, mas ainda assim o default traria riscos para os sistema financeiro europeu e mundial. Algumas pessoas dizem que seria mais fácil deixar a Grécia ir a default. Eu não estou tão certo, pois há muitas questões difíceis. E, de todo modo, alguém teria de financiar a Grécia depois, pois o país não conseguiria se financiar nos mercados."

A pressão finlandesa sobre a Grécia se explica em parte por questões de política interna. Nas eleições legislativas de 2011, que levaram Katainen ao governo, o partido populista Finlandeses Verdadeiros obteve 19% dos votos, elegendo a terceira maior bancada no Parlamento. E a principal proposta do partido era negar ajuda aos países em dificuldades na zona do euro. O apoio ao partido caiu bastante desde então. Ainda assim, o premiê diz que não é fácil explicar aos finlandeses por que eles devem ajudar os gregos, vistos no norte da Europa como perdulários.

"É claro que é difícil explicar, mas até agora conseguimos fazer isso bem. Nas eleições presidenciais deste mês, os dois candidatos que disputaram o segundo turno eram pró-Europa. É preciso ter paciência e falar diretamente com a população, tanto sobre as coisas negativas, mas também sobre nossos objetivos. As pessoas entendem. Uma economia exportadora como a nossa, na qual 40% do PIB vem da exportação, precisa de estabilidade. Temos de tentar evitar instabilidade nos mercados. Mas, especialmente nos países que cuidaram bem das suas finanças públicas, é difícil explicar por que temos de ajudar aqueles que criaram o problema", afirmou.

O problema, diz Katainen, não é somente a crise da dívida, mas um déficit de competitividade de parte da Europa. "Uma das razões dessa crise é o grande desnível de competitividade entre os países. O remédio é muito simples: é preciso elevar a competitividade."

Para isso, a Finlândia apoio a receita alemã: equilibrar o orçamento (com corte de gastos e alta de impostos), realizar reformas estruturais e recuperar, assim, a confiança dos mercados. "Isso pode atingir a população no curto prazo, mas, se um país perdeu a credibilidade, ele precisa recuperá-la."

Katainen vem dizendo, desde o início da crise, que a Europa teria de passar por um doloroso processo de ajuste fiscal. A maior parte dos países europeus, porém, fez o oposto: elevou os gastos para ganhar tempo. A disciplina fiscal mantida pelo governo finlandês fez com que Katainen fosse eleito pelo jornal britânico "Financial Times" como o melhor ministro das Finanças da Europa em 2009.

Katainen admite que as reformas estruturais levarão tempo, vários anos, para surtir efeito na competitividade desses países. "Quando você recuperar a confiança, o crescimento voltará. Uma coisa é clara: não há uma medida que possa mudar tudo do dia para a noite. É um processo longo e doloroso. Mas já estamos vendo sinais positivos, na Itália, Espanha e Irlanda", disse, referindo-se à quedano prêmio exigido por investidores para emprestar a esses países e às reformas aprovadas, como a flexibilização do mercado de trabalho.

O padrão de vida europeu ficou caro demais para ser mantido? O premiê acha que não. "Só se as suas finanças estiverem em mau estado. Nos países nórdicos, que adotam o modelo nórdico, que é uma combinação de sociedade do bem-estar social, oportunidades iguais, alto nível de seguridade social e de educação, somos muito competitivos e totalmente abertos à economia global."

Debruçando-se sobre um mapa da Europa, Katainen diz que não só a Finlândia, mas todos os países da região do Mar Báltico estão em boa situação, são competitivos e inovadores. "Veja o norte da Europa. Finlândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Polônia, Estônia... Nessa região, as finanças públicas são as que estão em melhor situação na Europa. O processo de tomada de decisões políticas é forte. O número de empresas globais inovadoras é grande, os recursos para pesquisa e desenvolvimento são os melhores da Europa, estamos entre os países menos corruptos e com melhor nível educacional do mundo nos rankings internacionais".

Por que o norte da Europa está se saindo melhor? "É uma boa pergunta. Talvez porque sejamos, de algum modo, mais disciplinados e abertos ao mundo."

A economia finlandesa ficou estagnada no quarto trimestre, quando a crise fez com que caísse a demanda por produtos finlandeses nos principais parceiros europeus. Em 2011, o país cresceu 0,7%.

O premiê veio ao Brasil justamente em busca de novos mercados. Para isso, trouxe a segunda maior comitiva empresarial da história do país (a primeira, diz ele, foi na Índia, uma década atrás).

Uma vantagem do Brasil, além de seu mercado crescente, é o fato de ser um país "compreensível", ou pelo menos mais compreensível que China e Rússia, para as empresas finlandesas, especialmente as pequenas e médias. "Para os europeus, é muito fácil se adaptar às exigências daqui."

Entre os obstáculos citados pelos empresários finlandeses estão o complexo sistema tributário e a falta de clareza em relação a algumas regras. "A taxação é bastante complicada, ainda que nossas empresas não estejam reclamando do nível de taxação. O que elas gostariam de ver é clareza, pois querem se comportar corretamente. Tentamos esclarecer, por exemplo, o princípio de conteúdo nacional. Nossas empresas não são contra isso, mas querem que isso seja o mais claro possível."

Katainen visitou anteontem a Petrobras, no Rio, já que um dos focos da missão finlandesa era biocombustíveis e indústria naval. "Nossas empresas estão realmente com expectativas de parcerias e cooperação com a Petrobras. E, nesse caso, o tamanho do país não importa muito, mas sim a excelência da tecnologia", afirmou.