Título: PSDB reage e tenta manter em SP a base principal de seu poder
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2012, Opinião, p. A12

A eleição municipal em São Paulo, com repercussão no xadrez da política nacional, entrou em sua fase mais decisiva, a despeito de os eleitores sequer terem sido chamados às urnas.

É o que o economista Joseph Schumpeter (1883-1950), ao analisar o fenômeno das democracias de massa então em expansão, denominou de vontade manufaturada, em sua mais conhecida obra - "Capitalismo, socialismo e democracia" (1942).

Schumpeter apontava o suposto paradoxo de um sistema democrático no qual as escolhas eleitorais do cidadão são predeterminadas num círculo fechado a partir de articulações de uma elite política. Na hora do voto, o eleitor já recebe o menu pronto de candidatos.

Políticos com larga experiência antecipam a estratégia dos adversários e baseiam seus cálculos no comportamento demonstrado pelos eleitores em disputas prévias.

A expressão "vontade manufaturada" é uma clara resposta à utopia de uma democracia direta, tal como preconizada por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), na qual o regime seria guiado pela vontade geral - a "volonté générale" - do povo.

Nada mais apropriado no momento político atual do que caracterizá-lo como o estágio crucial dessa construção de vontade. Especialmente em um ambiente pluripartidário, como o brasileiro, onde são múltiplas as possibilidades de formações de alianças e blocos.

O caso de São Paulo é exemplar. O prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD), tornou-se o fiel da balança na tradicional polarização entre os dois maiores partidos, o PT e o PSDB, que rivalizam pelo controle da cidade, do Estado e - como consequência do poder econômico paulista - do governo federal.

Kassab, antes um ator paroquial, ganhou dimensão nacional desde que, no ano passado, provocou o mais importante realinhamento no sistema partidário brasileiro. O prefeito fundou a legenda com a quarta maior bancada na Câmara dos Deputados e transpôs uma legião de políticos isolados no estreito campo da oposição para o latifúndio da base federal.

Com o movimento, Kassab aproximou-se dos petistas no plano nacional e rumou agora, nas negociações para a sua sucessão, em direção a uma aliança antes improvável no nível local. Em São Paulo, o PT sempre foi o maior adversário de sua gestão, iniciada em 2006, depois de ter sido vice, nos dois anos anteriores, do então prefeito e ex-governador José Serra (PSDB).

Kassab tem um governo mal avaliado (apenas 22% o aprovam), não é capaz de ser um grande eleitor e fazer seu sucessor, mas se posicionou estrategicamente entre tucanos e petistas. Barganha o poder de seu grupo político e da máquina da prefeitura entre um lado e outro. Enquanto os petistas, à frente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apostam no ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, os tucanos tentam brecar as prévias com quatro pré-candidatos de baixa densidade eleitoral e pressionam Serra a entrar no jogo.

Aos petistas, apesar do histórico de divergências ideológicas, a aliança com Kassab interessa porque representa a oportunidade de cooptar uma das principais forças do bloco conservador e quebrar a hegemonia dos tucanos. O último ano do mandato do governador Geraldo Alckmin, em 2014, marcará 20 anos de domínio do PSDB no Estado.

A dificuldade dos petistas não é menor na capital. O retrospecto do PT no município nas eleições presidenciais mostra que o partido só ultrapassou os 50% dos votos no segundo turno de 2002, quando Lula venceu Serra por 51% a 49%. Depois de uma queda para 45%, em 2006, a legenda obteve um leve crescimento com Dilma Rousseff em 2010, para 46%.

Os petistas, com o aprendizado das disputas anteriores, sabem que para conquistar a maioria é preciso uma política de alianças ampla. Apenas com os tradicionais parceiros, provavelmente será insuficiente. É preciso provocar uma importante defecção nos adversários. O PSD de Kassab lhe dá essa chance. O projeto do PT é cristalino: a Prefeitura de São Paulo é o meio para se chegar ao fim: tomar o governo estadual. Sem ele, o PSDB perderia sua principal base de poder, núcleo de seus maiores líderes, e ficaria em condições ainda mais difíceis de voltar à Presidência. A tarefa dos tucanos será manter Kassab no seu menu e preservar o seu eleitorado.

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