Título: Impasses sucessivos nas eleições na Europa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2006, Opinião, p. A18

As pressões pela reforma do sistema econômico, sob o assédio competitivo de seus rivais anglo-saxões e chineses, e a falta de novas e criativas lideranças partidárias aumentaram a instabilidade política dos grandes países europeus. Não há mais eleições que definam nitidamente rumos ou que apenas garantam maiorias viáveis. O exemplo do pleito na Itália, com a minúscula vitória da coalizão de centro-esquerda de Romano Prodi contra a histrionice do premiê Silvio Berlusconi, apoiado por agrupamento com o sugestivo nome de Casa das Liberdades, não é um caso isolado, tende a ser a regra. As eleições alemãs produziram mais um impasse que uma solução e a saída provisória foi reunir os dois principais rivais, os conservadores e social-democratas, em um governo e dar tempo ao tempo. O governo de centro-direita francês parece marchar para idêntico destino nas próximas eleições. As consultas eleitorais estão levantando mais dúvidas e angústias do que respostas nos países que formam o coração econômico da Europa.

A Itália desempenhou seu capítulo nessa história de impasses acrescentando-lhe toques próprios de ópera-bufa. De longe, porém, é, entre os grandes países europeus, o que está na situação econômica mais crítica. Flertou com uma recessão em 2005 e encontra-se virtualmente estagnada, com um déficit público de 4,3% que rompeu com folga, pelo segundo ano seguido, os 3% estabelecidos como teto pelo tratado de Maastricht. O controvertido Berlusconi sequer insinuou novos caminhos para sair do atoleiro em que o país se meteu durante seu governo. Magnata da mídia, comparou-se a Jesus Cristo em debates televisivos onde sua conhecida verve voltou-se contra os supostos métodos peculiares dos chineses para adubar a terra - segundo o premiê, eles fervem crianças - e despejou votos próprios de castidade até o fim do período eleitoral. Prodi tem, por seu lado, um programa que pode dificultar a correção dos desequilíbrios econômicos, especialmente o déficit público, pois precisa amalgamar um grande arco de partidos com idéias diferentes na coalizão vitoriosa, a União.

Na mais dividida das eleições da história da Itália desde o pós-guerra, a disputa acabou sendo resolvida pelos votos justamente de cidadãos que não moram no país. Eles fizeram com que os adeptos de Berlusconi tivessem duas cadeiras a menos que os de Prodi no Senado - 158 a 156. E certamente influíram na minúscula vantagem de Prodi na Câmara - cerca de 25 mil votos em um universo de 40 milhões. A tática de Berlusconi é pedir a recontagem dos votos e empurrar a situação para mais impasses. Ele pretende obter a maioria no Senado, o que diante de uma Câmara favorável a Prodi jogaria o sistema parlamentarista em uma crise que só poderia ser resolvida com novas eleições. O premiê acena também com um governo de união nacional, no estilo tedesco, mas com chances quase nulas de prosperar.

A indefinição da sociedade italiana foi agravada pelas manobras eleitorais de Berlusconi, que mudou as regras das eleições há poucos meses de sua realização. Ele trocou o sistema distrital misto pelo proporcional puro, o que estimula a pulverização dos partidos e torna todos os governos súditos de negociações constantes e penosas com legendas inexpressivas, mas que freqüentemente detêm votos decisivos. A mudança é um recuo rumo à institucionalização da instabilidade.

A União de Prodi já é um subproduto da mudança. Ela é formada por 12 partidos, de verdes, comunistas, liberais e legendas regionais, e compõe um amplo espectro para divergências internas. Se seu programa eleitoral for cumprido à risca, pode haver estímulos para o crescimento, provavelmente às custas de mais déficits. Um rigoroso programa de cortes esbarra na oposição da franja esquerda da União. Por isso, o que todos concordaram em fazer é tentar coibir a evasão fiscal e criar um órgão para averiguar os impactos nas contas do governo das políticas públicas - quase nada. Há promessa de uma série de cortes de impostos trabalhistas e sobre investimentos, em linha com a tendência que se consolida na UE. Prodi quer aumentar benefícios a desempregados e reduzir a idade para aposentadoria a 57 anos (ela subiu para 60). Não é um programa ousado e ainda assim ele não garante apoio sólido para o novo governo. As urnas indicaram que a Itália pode fazer jus novamente à fama de ingovernável.