Título: Não há incentivos eleitorais para mudanças na economia
Autor: Schmitt, Rogério
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2006, Opinião, p. A18

A nomeação de Guido Mantega para substituir Antonio Palocci no Ministério da Fazenda tem despertado incertezas nos mercados quanto à possibilidade de o presidente Lula, num eventual segundo mandato, modificar as diretrizes básicas da política econômica do governo federal. Algumas análises de conjuntura têm insistentemente sugerido que estaria se esgotando o ciclo de mais de uma década de políticas econômicas "ortodoxas", prestes a ser substituído por um novo ciclo de "desenvolvimentismo". Neste cenário, os candidatos à próxima eleição presidencial teriam fortes incentivos eleitorais para adotar programas de governo tidos como mais heterodoxos em termos de política econômica. Tanto Lula quanto Alckmin estariam mais suscetíveis à influência de economistas da chamada "corrente desenvolvimentista", os quais seriam os grandes favoritos para assumir o comando dos ministérios da Fazenda e do Planejamento a partir de 2007.

Este artigo procura demonstrar que o tipo de argumento exposto acima é fundamentalmente equivocado. As evidências empíricas não corroboram a hipótese de que não haveria mais apoio eleitoral à política econômica em vigor. Os dados comprovam, ao contrário, que o apoio a uma política econômica "ortodoxa" é muito disseminado entre a população. A conclusão é que dificilmente haverá uma demanda consistente do eleitorado por mudanças na política econômica ao longo da campanha presidencial. O próximo governo, seja ele petista ou tucano, terá poucos incentivos eleitorais para propor alterações significativas nos fundamentos da política econômica que vem sendo implementada no país por diferentes governos desde a edição do Plano Real.

O primeiro gráfico resume os resultados de cinco rodadas da pesquisa CNT/Sensus, realizadas entre maio de 2005 e fevereiro de 2006, no que diz respeito à seguinte pergunta: "a política econômica do presidente Lula tem sido conduzida de maneira adequada (está no rumo certo) ou inadequada (não está no rumo certo)?". A percepção de que a política econômica tem sido adequadamente conduzida vem correspondendo à cerca de 40% do eleitorado. Por outro lado, as pesquisas CNT/Sensus apontam também para uma ligeira preponderância da visão de que a política econômica não estaria no rumo certo.

-------------------------------------------------------------------------------- Os 40% que aprovam a continuidade comporiam uma coalizão de veto poderosa à políticas geradoras de inflação --------------------------------------------------------------------------------

Quando se examina a série de pesquisas do Datafolha, no entanto, os resultados são mais claramente favoráveis à manutenção da política econômica. O segundo gráfico abrange três levantamentos realizados entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2006, que perguntavam ao entrevistado: "como o senhor avalia o desempenho do presidente Lula na área econômica?". Na metodologia do Datafolha, as respostas podem ser positiva, regular ou negativa. Em todas as rodadas da pesquisa, a avaliação positiva do quesito oscilou em torno de 40% do eleitorado. No outro extremo, a avaliação negativa da política econômica tem permanecido fortemente minoritária. Mas o patamar elevado da avaliação "regular" sugere, quando se comparam estes resultados do Datafolha com os da CNT/Sensus, que a maior parte da suposta rejeição à política econômica verificada no gráfico anterior corresponde, na verdade, não a uma reprovação incondicional, mas sim a uma certa indiferença.

Entre os principais institutos, apenas o Ibope não possui uma série histórica de dados sobre o apoio à política econômica. No entanto, a pesquisa CNI/Ibope realizada em março de 2006 incluiu a seguinte pergunta: "na eleição de outubro, o senhor pretende votar em um candidato a presidente da República que: 1) faça mudanças profundas na política econômica em vigor; 2) dê continuidade à atual política econômica; ou 3) mantenha as linhas gerais da atual política econômica, fazendo alguns ajustes?". Ainda que 54% dos entrevistados tenham optado pela primeira alternativa, a soma das outras duas respostas foi novamente igual a 40%!

A análise dos dados produzidos por três diferentes institutos de pesquisa revela haver um contingente relativamente estável do eleitorado, próximo a 40% do total, que reiteradamente manifesta apoio à atual política econômica. No outro extremo, as evidências sobre a rejeição a essa mesma política não são conclusivas, já que o patamar de rejeição varia bastante de acordo com o instituto de pesquisa. De qualquer maneira, mesmo supondo-se que os outros 60% do eleitorado rejeitem terminantemente a política econômica em vigor (o que não é absolutamente verdadeiro), não parece razoável supor que existam fortes e sistemáticos incentivos eleitorais para que o governo modifique as diretrizes seguidas nos últimos anos. Na pior das hipóteses, os 40% da população que aprovam a continuidade da política econômica constituiriam uma coalizão de veto muito poderosa à políticas percebidas como geradoras de inflação.

Rogério Schmitt é cientista político da Tendências Consultoria e doutor em ciências políticas pelo Iuperj. E-mail: rschmitt@tendencias.com.br