Título: A indústria nacional do cobre e a informalidade
Autor: Jr ,Luiz Antonio de S
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2012, Opinião, p. A8

Sem embargo do crescimento econômico brasileiro nos últimos anos, existem ainda dois aspectos que colocam o país em uma posição de profunda inferioridade se comparado a outros mercados concorrentes, como o americano, o europeu e o asiático: a complexidade do nosso sistema fiscal e a existência de um elevado grau de informalidade. A complexidade do sistema tributário leva a sequelas já conhecidas, como o grande número de taxas e impostos, o alto custo de compliance fiscal para as empresas e um quadro de guerra fiscal entre as unidades da federação que acabam por beneficiar somente produtores estrangeiros, em detrimento da indústria nacional e das finanças públicas estaduais. Todavia, existe algo ainda mais perverso nesse cenário que é o elevado grau de informalidade da economia.

A informalidade no Brasil retira o que há de mais sagrado no jogo da competição e da eficiência: a igualdade entre os agentes de mercado, o chamado "level playing field". Chancela o oportunismo de agentes sem porte e que não geram valor ao país, permitindo-lhes suplantar as indústrias aqui estabelecidas, e que investem pesadamente em tecnologia, formação de mão de obra e infraestrutura.

No caso da venda de produtos de cobre no Brasil - indústria que movimenta R$ 6 bilhões por ano - a informalidade é alarmante. O quadro atual de evasão fiscal torna impraticável a competição, na medida em que os ganhos de eficiência e produtividade jamais conseguem ser compensados pelo oportunismo fiscal, ainda mais em uma indústria que se vale em grande parte de uma commodity (concentrado de cobre) na agregação de valor. Mais especificamente, cabe ressaltar o altíssimo grau de informalidade na comercialização de sucata de cobre. É que a sucata, ao lado do catodo de cobre, é o principal insumo para a fabricação de tubos, fios e outros produtos de cobre.

Ocorre que se aproveitando de uma sonegação quase que generalizada no setor de sucata, empresas que atuam à margem da legalidade se valem da sucata como insumo para fabricar produtos de baixíssima qualidade e que são comercializados sem o devido pagamento do tributo. Para tanto, valem-se de expedientes como a exportação fictícia, o passeio de notas fiscais e até mesmo o roubo de cargas e de infraestrutura pública - como fios de telecomunicação - impondo uma concorrência predatória em todos os sentidos. Os principais prejudicados são inequivocamente os estados brasileiros - face à sonegação - e os cidadãos brasileiros, que adquirem produtos sem padrões mínimos, colocando até mesmo vidas em risco, como, por exemplo, quanto ao cobre de má-qualidade utilizado na construção civil.

De modo a alterar esse quadro, a Associação Brasileira do Cobre (ABC) vem propondo medidas corretivas que permitiriam reduzir drasticamente a informalidade na comercialização de sucata. Entre essas medidas está a que pretende alterar o atual regime de tributação do ICMS que contempla situações de diferimento nas operações internas e tributação nas operações interestaduais. Ou seja, permite operações internas de compra de sucata sem tributação na compra que podem redundar em processo de industrialização sem tributação também na saída do produto industrializado.

Em operações interestaduais permite a transferência de créditos de um estado para o outro, sem, em muitas vezes, pagamento na saída da sucata comercializada. Por isso, a ABC propôs a adoção de um convênio perante o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), concentrando a arrecadação de todo o ICMS da sucata nas mãos das grandes empresas industrializadoras. Com essa medida, se retiraria do mercado informal de sucata a possibilidade de arbitrar o valor do ICMS, seja pela transferência de créditos fictícios seja pela sonegação no produto final industrializado por terceiros.

Trata-se de uma medida de urgência que representaria um novo marco na tributação do cobre no que se refere ao ICMS com vistas a eliminar as situações de sonegação acima mencionadas. Remediaria assim um sistema equivocado da tributação do cobre que está em vigor há quase 30 anos.

Ao lado dessa medida, a ABC também propõe um acordo setorial, dentro do escopo da Lei de Resíduos Sólidos. Este, por sua vez, imporia a obrigatoriedade da coleta reversa da sucata, afastando agentes sem estrutura e responsabilidade social e ambiental para atuar no processo de comercialização de produtos de cobre.

Além das medidas acima mencionadas, competiria aos órgãos públicos criar outros mecanismos de controle, como obrigações acessórias que pudessem identificar a compra de sucata com a receita oferecida à tributação nas declarações de renda das empresas e das pessoas que estejam envolvidas com a comercialização do cobre. Em suma, trata-se de medidas de urgência e que não se esgotam em si próprias, posto que o setor reclama uma atenção mais contínua da legislação e dos órgãos de fiscalização.

Por outro lado, o abandono da inércia do atual quadro regulatório do setor contribuiria para uma depuração dos agentes hoje atuantes e, consequentemente, o crescimento ordenado e responsável da indústria nacional de cobre. Em um momento de acirramento da competição em bases globais, e diante das oportunidades que se apresentam em nosso país, não podemos mais pecar por omissão. O atraso em relação a outros mercados no que tange a eliminação da informalidade tem que ser sanado já. Que fiquem os que querem aqui ficar e não os que estão - informal e oportunamente - a passeio.

Luiz Antonio de S. Q. Ferraz Jr., administrador de empresas formado pela FGV-SP, é diretor-presidente da Paranapanema.