Título: Lula é aconselhado a adotar discurso forte em relação a Morales
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Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Lyra, Paulo de Tarso, p. A9

O Palácio do Planalto recebeu diversas avaliações sobre o impacto eleitoral da crise com a Bolívia na candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Lula foi aconselhado a adotar um discurso contundente, de modo a não deixar qualquer dúvida sobre a existência de algum compromisso dele com o nacionalismo do presidente boliviano Evo Morales.

O maior receio é que uma postura vacilante do presidente estimule setores da oposição e o capital especulativo a apostar contra a reeleição. Era lembrado o episódio em que o empresário Mário Amato, no passado, chegou a anunciar a fuga em massa de empresários do país, no caso da eleição de Lula.

O presidente preferiu a alternativa mais cautelosa, entre as apresentadas, resumida por ele em conversa com um aliado: "O Evo fez uma bravata", disse o presidente, e "agora não tem para onde correr, a não ser negociar com a própria Petrobras". De acordo com esse aliado, prevaleceu a avaliação segundo a qual a Bolívia não tem o que fazer com o gás extraído de seu território a não ser vendê-lo ao Brasil. Contou também o desempenho das ações da Petrobras, que subiram, após ligeira queda.

É recorrente que governantes em confronto com outros países obtenham ganhos de popularidade. Ocorreu com George Bush, no início da invasão do Iraque, com o general Leopoldo Galtieri ao decidir retomar as ilhas Malvinas do controle inglês, e deve acontecer agora com Morales. Para especialistas em pesquisas, no entanto, isso não se aplica ao presidente Lula. Segundo o cientista político e sociólogo Antônio Lavareda, quando teve problemas na campanha, na Bolívia, Morales veio ao Brasil buscar apoio e demonstração de reconhecimento internacional, e teve reuniões com Lula no Planalto. Portanto, Lula seria co-responsável por Morales, estaria colhendo o que plantou.

Lula, com a guerra externa, não iria conseguir, pela identificação com Morales, melhorar sua popularidade, não teria ganho em cima disso, segundo Lavareda. "No máximo, vai conseguir diminuir o prejuízo que teria com a proximidade de Morales", diz o cientista político. É essa idéia que permeia um dos documentos produzidos no governo, segundo apurou o Valor, que sugeria reação mais contundente do presidente Lula, nem que fosse apenas retórica. Isso é o que as autoridades bolivianas esperam, devido à proximidade do processo eleitoral no Brasil: uma reação verbal dura de Lula, mas sem efeitos práticos.

Outro especialista em pesquisas de opinião, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, acha, no entanto, que só a retórica não resolve, no caso da crise Brasil-Bolívia, "pois o impacto é sobre as decisões de investimento em São Paulo e Sul com as incertezas criadas". De fato, 75% do gás consumido em São Paulo e 100%, na região Sul, têm origem na Bolívia. Para o prefeito do Rio, mesmo que assuma a retórica do confronto, "Lula terá demonstrado aos especialistas sua ingenuidade ao ter perdoado a divida de US$ 52 milhões da Bolívia. Reafirma sua incompetência".

Lavareda diz que o enfrentamento externo, como regra geral, melhora a situação interna do governante. O exemplo clássico é o do general Galtieri, na Argentina, que decretou a guerra nas Malvinas, contra os ingleses, e elevou sua popularidade. Conflito de um país no exterior, em geral, une a população. Produz uma "união em torno da bandeira", diz Lavareda, recorrendo a uma expressão técnica. Maia concorda, "mas dependendo da crise que criem, podem se afogar nela, como Galtieri. É o caso pela inevitável interdependência entre as economias brasileira/boliviana/argentina".

O prefeito do Rio, que é declaradamente de oposição ao governo de Lula, no entanto, não acredita que o incidente boliviano seja ameaça à reeleição do presidente da República. "Não será o caso", diz Maia. "Mas reforça a percepção de sua incapacidade de gerir e prever, e abre uma fissura em seu discurso de esquerda para dentro que era a sua politica externa". Setores do governo, inclusive a área política, não demonstram a mesma convicção do prefeito.

Segundo apurou o Valor, outra preocupação desses setores é com os impactos econômicos da nacionalização decretada por Morales: se afetar a indústria, haverá pressão sobre os custos, se os custos sobem, há repasse para os consumidores, o que significa inflação. Um horizonte até agora fora de cogitação nos cálculos políticos para a campanha de reeleição de Lula.

Inflação e uma reação fraca do presidente em relação à Bolívia poderiam criar um ambiente favorável a especulações de toda natureza, inclusive a que Lula compartilha dos mesmos ideais nacionalistas de Morales, do presidente da Venezuela, Hugo Chávez e do cubano Fidel Castro.