Título: Brasil reage com cautela e quer negociar preço do gás
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Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Lyra, Paulo de Tarso, p. A9

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia) têm reunião marcada na quinta-feira, em Foz do Iguaçu, para discutir a crise política provocada pela decisão de Morales de nacionalizar a produção de petróleo e gás boliviano. Ontem, o governo brasileiro preferiu reagir com cautela à medida que afeta interesses da Petrobras. E descartou que possa faltar gás no mercado brasileiro.

O encontro foi agendado após a reunião ministerial de emergência, que durou todo o dia, no Palácio Planalto, com a presença de diversos ministros e do presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli. Segundo assessores, Lula ficou irritado com a forma com que Morales anunciou a nacionalização, ocupando as refinarias da Petrobras com o Exército. "Mas, depois da conversa com Morales, o governo avaliou que a medida não foi um ato de hostilidade contra o Brasil", afirmou um assessor do Planalto.

A conversa entre Lula e Morales aconteceu por volta das 17h. O presidente ficou satisfeito ao ouvir de Morales que não "haverá interrupção no fornecimento de gás para o Brasil e que os preços serão negociados daqui para a frente".

Apesar da avaliação política de que a postura passiva diante da ação de Morales poderá estimulá-lo a tomar outras medidas, o governo preferiu "chancelar" a decisão boliviana. Pesou nessa avaliação o cuidado e a imagem cultivados pelo Brasil de líder sul-americano em busca de relação pacífica na região. "A própria decisão de convidar os quatro presidentes é um sinal de que o Brasil enxerga essa questão do ponto de vista regional, não apenas bilateral", disse um assessor governamental.

A avaliação do Planalto é que a decisão de Morales tem forte componente político, já que em julho será eleita na Bolívia uma Assembléia Constituinte, e a questão do gás é um dos principais temas do debate interno. O governo acredita também que, como o Brasil decidiu nacionalizar seu subsolo tempos atrás, não poderia questionar o "ato soberano do governo boliviano". "A forma como isso ocorreu é que foi particularmente pesada", admitiram aliados de Lula.

A reunião emergencial foi aberta num clima de choque diante da decisão de Morales. Após um dia de conversas, o Planalto divulgou nota garantindo que "o governo agirá com firmeza e tranqüilidade em todos os foros no sentido de preservar os interesses da Petrobras", mas reconhecendo que "a decisão boliviana é um ato inerente à sua soberania".

O assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse que o Brasil não pensa, neste momento, em recorrer aos tribunais internacionais contra a Bolívia. Segundo ele, apesar de caberem ações nos fóruns onde estão firmados o acordo do gasoduto Brasil-Bolívia, o governo aposta no diálogo.

O governo trabalha com brechas no próprio decreto para tentar minimizar os prejuízos que a atitude de Morales possa trazer ao Brasil. Basicamente, o Planalto apóia-se em dois pontos: o prazo de 180 dias para se efetuar a transição dos contratos antigos para os novos e a ausência de proibição, no texto anunciado por Morales, de que o gás produzido pela Petrobras seja exportado para o Brasil.

Durante a reunião, o presidente da Petrobras descartou o risco de desabastecimento para consumidores residenciais e empresariais. "Não há porque se preocupar com essa questão", disse Gabrielli, segundo relato do porta-voz André Singer. Gabrielli dará entrevista coletiva na tarde de hoje, no Rio.

Ministros que participaram do encontro admitiram a surpresa do governo. "Evo não avisou ao Lula que tomaria essa decisão", reclamou um ministro da área política. O governo decidiu usar a diplomacia, lembrando que o "gasoduto Brasil-Bolívia funciona há sete anos, como resultado de negociações feitas por sucessivos governos há mais de 50 anos".

Outro argumento que vem sendo utilizado pelo Executivo é que, se o Brasil depende do gás boliviano, o rompimento nas relações comerciais entre os dois países também não ajudaria em nada a balança comercial boliviana. "Cerca de 25% dos impostos que a Bolívia arrecada são provenientes da venda do gás ao Brasil", calculou um assessor do Planalto. O governo não trabalha, em hipótese nenhuma, com a possibilidade de um recuo de Morales. Prefere trabalhar com a negociação de preços no prazo de transição dos contratos.

Assessores lembram que o governo boliviano não está propondo uma expropriação das empresas estrangeiras que exploram o gás boliviano. "Após o prazo de 180 dias, quem quiser ficar no país terá que negociar novos preços. Quem não quiser, terá suas ações compradas pelo governo da Bolívia". Por ora, o Brasil não fez proposta para buscar diminuir a taxação sobre a produção de gás, que aumentou de 50% para 82% de acordo com o decreto anunciado por Morales no dia 1º de maio.