Título: Agenda entre os países fica negativa
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Especial, p. A11

A decisão unilateral de nacionalizar o setor de gás e petróleo, com a ocupação de campos da Petrobras e tomada do controle das refinarias da estatal, virou de ponta cabeça a pauta entre os governos de Brasil e Bolívia e transformou em agenda negativa a agenda positiva que estava sendo ensaiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Evo Morales. Após dois meses conturbados, em que a diplomacia brasileira teve dificuldade em encontrar interlocutores nos ministérios de Morales, passaram ao primeiro plano temas como a futura indenização da Petrobras e o destino dos equipamentos da brasileira EBX, expulsa do país.

Da série de acordos firmados entre Brasil e Bolívia (alguns deles pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, em atribulada visita a La paz, na última semana) restaram programas de interesse dos bolivianos, como o "manejo do jacaré" no Pantanal (um programa de caça controlada do animal), a colaboração para o controle da aftosa e troca de experiências em saúde pública.

A forte oposição boliviana a grandes projetos de investimento controlados por estrangeiros (brasileiros incluídos) deve ser o golpe de morte nos planos da Brasken, de criar no país um complexo gás-químico de US$ 1,5 bilhão, usando o gás do país para a produção de produtos mais elaborados, como o eteno usado na indústria de plásticos.

A propaganda do governo Morales, veiculada insistentemente na TV, lembra os três passos dados por voluntários bolivianos ao se engajarem numa luta desesperada na Guerra do Chaco, na década de 30, para comparar as decisões sobre a nacionalização a "três passos" pela retomada da dignidade do povo boliviano. O terceiro passo é o controle pelo país da industrialização do gás.

Estão em suspenso, também, os planos da Odebrecht de construir hidrelétricas no rio Madeira, com obras em território da Bolívia. A grande desconfiança em relação aos interesses do capital estrangeiro levou o governo da Bolívia a vetar a proposta da empresa brasileira, de fazer pré-estudos de viabilidade das obras no lado boliviano.

Há fortes suspeitas, entre os brasileiros radicados na Bolívia, de que a aproximação política entre Morales e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, esteja inspirando no governo boliviano projetos de troca dos investidores brasileiros pela Venezuela, turbinada pelo aumento dos preços do petróleo. O Brasil vinha discutindo com a Bolívia uma forma de elevar as importações de produtos bolivianos, para reduzir a concentração das compras brasileiras, hoje quase exclusivamente restritas ao gás. Essas conversas levaram um golpe o ato de nacionalização.

Os investimentos externos na economia boliviana vêm caindo aceleradamente desde 2002, como consequência da crise política que levou à queda sucessiva de presidentes, até a eleição de Morales, com um discurso fortemente nacionalista e estatizante.

Do patamar pouco superior a US$ 1 bilhão anuais, os investimentos estrangeiros líquidos (descontadas as remessas e repatriações ao exterior) caíram para US$ 677 milhões em 2002, US$ 197 milhões em 2003, e míseros US$ 31,5 milhões, em 2005. Dados extra-oficiais indicam que, no início de 2006, foram negativos os investimentos na Bolívia, isto é, saíram mais recursos investidos do que entraram. O investimento bruto, sem levar em conta as remessas, caiu pela metade no ano passado.

Em 2005, estimativas apontam o Brasil como o segundo maior investidor externo na Bolívia. O setor de hidrocarbonetos é, logicamente, o maior receptor de capitais estrangeiros, com quase 60% do total.(SL)