Título: Cresce no país clima de hostilidade ao Brasil
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Especial, p. A11

O forte aumento de impostos, de quase 50% para 82%, decretado pelo governo boliviano sobre os campos de gás com grande produção só afetará duas áreas de exploração, os campos de Sócalo e San Alberto. Em comum, ambos têm a característica de serem controlados pela brasileira Petrobras. É uma espécie de tratamento especial de caráter totalmente oposto ao que esperava o governo brasileiro em relação à empresa brasileira que viabilizou a exploração do gás boliviano em grande escala.

É com os novos impostos cobrados pela Petrobras, principalmente, que o governo boliviano espera aumentar sua arrecadação, no próximo ano, em mais US$ 300 milhões, para quase US$ 800 milhões, segundo anunciou o vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera. No campo de San Alberto, responsável por 70% da produção de gás boliviano e escolhido pelo presidente Evo Morales para anunciar a nacionalização, uma faixa com a palavra "nacionalización" encobre hoje o logotipo da Petrobras, como mostra a maciça propaganda oficial, em tom ufanista, sobre a tomada dos campos pelo governo.

A ação contra a Petrobras, que se segue à expulsão da brasileira EBX por acusações de desrespeito a lei local, vem acompanhada por uma crescente onda de desconfiança e críticas à atuação do Brasil na Bolívia, como constata o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Bolívia, José Enéas Bueno. "Essa decisão unilateral nos preocupa demais", lamenta ele.

Há poucas semanas, após editar um decreto que concedia a construção da estrada Potosí-Uyuni (uma obra de US$ 120 milhões) a um consórcio de médias empresas brasileiras, Evo Morales voltou atrás por causa das críticas de construtoras locais, que acusaram o Brasil de pressionar pela obra (na verdade, a embaixada brasileira havia alertado para a necessidade de licitação em uma obra desse porte). O episódio levou a imprensa local a acusar o Brasil de viciar as licitações na Bolívia com o uso do Proex, que só financia obras da companhias brasileiras. "Proex viola as leis", dizia manchete do jornal "La Razón". "Isso é parte de uma hostilidade crescente ao Brasil e tudo que é brasileiro", acredita Enéas Bueno.

Nesta semana, o governo deve enviar nota aos jornais bolivianos para explicar que o financiamento do Proex segue normas internacionais, e, por lei, só pode ser concedido a empresas brasileiras, o que não impede que concorrentes das empreiteiras do Brasil tenham suas próprias fontes de financiamento.

A declaração, feita em discurso de Evo Morales na noite de segunda-feira, de que o governo boliviano aprofundará a nacionalização para estendê-la à mineração e às terras levantou temores entre os brasileiros que cultivam soja no país. "A decisão de ampliar para 82% os impostos sobre as petroleiras foi surpreendente, e é preocupante", comenta o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Oleaginosas da Bolívia, Nilton Medina. Ele teme que o governo resolva também aumentar de forma proibitiva os impostos sobre o setor. As autoridades do governo e integrantes influentes do MAS, o partido de Evo Morales, têm garantido ao setor que os produtores de soja brasileiros (responsáveis por 35% da renda e safra de soja no país) são produtivos e não sofrerão desapropriações, pois elas só se destinam a propriedades improdutivas.

"Também davam declarações tranqüilizadoras como essas para a Petrobras; eu ficaria preocupado", comenta Enéas Bueno. "O clima é de tensão", confirma Medina. "Confio que haverá bom senso da parte do governo boliviano", espera.

Até agora, o Brasil, como principal investidor no país, tem sido o maior alvo das ações nacionalistas de Morales. O anúncio de nacionalização das reservas minerais, porém, pode trazer à cena um ator importante que tem tentado manter discrição no país: os Estados Unidos.

É de uma firma americana, a Apex Silver Mining, o maior projeto de mineração em curso, um investimento de pelo menos US$ 700 milhões, que começaria em breve a ser executado.

O presidente Evo Morales ainda não se pronunciou sobre o destino desse projeto multinacional com reservas naturais bolivianas. Mas é consenso na Bolívia que os setores sociais devem começar a pressionar em relação ao tema.