Título: Estudo defende mudanças no regime de metas
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Especial, p. A14

Fábio Giambiagi: BC autônomo teria a vantagem de isolar a condução da política monetária do ciclo político Adotado em 1999, o regime de metas de inflação, um dos pilares da política econômica desde então, obteve êxito no combate à alta dos preços, ajudando o Brasil a sair de duas crises - a da desvalorização do real, naquele ano, e a de confiança dos mercados, em 2002. Em 2006, a economia caminha para o quarto ano consecutivo com inflação em queda.

Quase oito anos depois da adoção do regime, no entanto, a inflação, que no ano passado chegou a 5,7% e neste ano deve cair para 4,5%, ainda é alta para padrões internacionais. Na avaliação dos economistas Fábio Giambiagi, do Ipea, Alexandre Mathias, do Unibanco Asset Management, e Eduardo Velho, da Mandarim Gestão de Ativos, os benefícios do regime são maiores que seus defeitos e, por isso, chegou o momento de aperfeiçoá-lo, e não de renegá-lo.

Num estudo meticuloso sobre o assunto, que o Ipea colocará em discussão nos próximos dias, os três especialistas analisam a experiência de sete nações que adotaram o regime de metas de forma bem-sucedida, remetem-se aos resultados obtidos ao longo do tempo por 15 países emergentes e 8 industrializados e, a partir daí, elaboram uma proposta de aperfeiçoamento do modelo brasileiro, com a ambição de torná-lo definitivo. Isso incluiria a conclusão, em 2011, do processo de desinflação, iniciado em 1994 com o Plano Real, e a adoção, daqui a alguns anos, de uma meta de inflação estável, como fizeram países como Reino Unido, Islândia e Noruega.

Boa parcela das propostas de Giambiagi, Mathias e Velho, que eles apresentam na forma de agenda institucional, é polêmica e já foi abortada no nascedouro em discussões anteriores. Por isso, eles sugerem transição gradual e relativamente lenta para o novo modelo.

O primeiro item da agenda institucional é a formalização da autonomia do Banco Central . Os três economistas citam quatro razões para o Brasil fazer isso. A primeira é a experiência internacional. Os três principais bancos centrais do mundo - o Federal Reserve (dos EUA), o Banco Central Europeu e o BC da Inglaterra - atuam com independência e isso, na avaliação dos economistas, dá respaldo à adoção do princípio no Brasil, além de ser consistente com regimes democráticos.

A segunda razão é que a literatura econômica mostra que a autonomia do BC é positiva para um melhor controle da inflação. A terceira razão mencionada é a defesa do "primado das decisões técnicas em detrimento de injunções políticas". Por fim, os economistas alegam que um BC autônomo teria a vantagem de isolar a condução da política monetária do ciclo político, "minimizando a possibilidade de surgimento de picos de incerteza", como ocorreu em 2002, quando os mercados, temerosos de como agiria o governo do PT, entraram em crise, levando a cotação do dólar a quase R$ 4 e obrigando a país a pedir socorro ao FMI.

Os três economistas propõem a fixação de mandatos de quatro anos, intercalados com o do presidente da República, para o presidente e diretores do BC, com direito a uma recondução. A idéia é que o próximo governo, eleito este ano, proponha em 2009 ao Congresso a autonomia do BC. Isso porque, seja quem for o vitorioso, terá agenda legislativa pesada em 2007 e 2008 - dois itens cruciais da política fiscal (CPMF e Desvinculação de Receitas da União) vão expirar no próximo ano; outras reformas, como a tributária, poderão ser votadas no período.

A autonomia do BC seria debatida pelo Congresso durante dois anos e entraria em vigor apenas em 2011, portanto, no governo posterior ao eleito em 2006. Nos primeiros dois anos, haveria um mandato-tampão da diretoria para que, a partir de 2013, os dirigentes do BC passassem a ter mandatos intercalados com o do presidente do país. Preocupados com uma possível rejeição da classe política à autonomia do BC, os três economistas sugerem que o Congresso passe a dar a palavra final, na hipótese de o presidente do BC ser demitido pelo governo antes do fim de seu mandato.

O segundo item da agenda institucional é a definição do objetivo a ser perseguido pelo BC autônomo. Giambiagi, Mathias e Velho sugerem que a legislação estabeleça que o BC deve perseguir a estabilidade de preços, entendida como a obtenção de um patamar de inflação baixo e estável, bem como a criação de condições favoráveis ao crescimento, à redução do desemprego e à minimização da volatilidade do PIB. O novo modelo de atuação daria ao BC mais flexibilidade para acomodar "tensões".

Os autores procuram conciliar a necessidade de aperfeiçoamento do regime de metas com a realidade política brasileira, bastante avessa à proposta de um BC independente. O estudo assimila a idéia de que o BC não deve combater a inflação a qualquer custo para a economia. "A longo prazo, o que se deseja é consolidar uma situação onde, de um modo geral, a economia opere com taxa de inflação próxima à internacional, e isso crie um ambiente de estabilidade que estimule os investimentos e o crescimento, entendendo-se não haver incompatibilidade de longo prazo entre os objetivos de inflação baixa e crescimento a taxas satisfatórias", justificam os economistas.

O terceiro item da agenda é a definição da meta de inflação de longo prazo. Citando levantamento feito pelo FMI, o estudo mostra que, nos últimos dois anos, a inflação média de 16 países emergentes foi de 3,5% ao ano. Em 15 economias emergentes que adotam metas de inflação, o ponto intermediário entre o piso e o teto da banda é 3,7% (ver tabela).

Retirando-se desse grupo dois países (Indonésia e Romênia) que adotaram o regime recentemente, e estão no início do processo de desinflação, além de Colômbia e Filipinas, a média intermediária cai para 2,9%. No caso das nações desenvolvidas, a média é inferior (-2,1%).

"Mesmo os países emergentes melhor sucedidos têm a taxa de inflação ligeiramente superior ao ´benchmark´ dos industrializados. O padrão de excelência a ser procurado a longo prazo deve ser uma inflação como a que têm o Chile e a Coréia do Sul, não por acaso duas estrelas no universo dos países emergentes, da ordem de 3% ao ano", propõe o estudo.