Título: Mercados sofrem com vacilação do Fed
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Finanças, p. C2
O maior mercado do mundo - o secundário de títulos da dívida americana - opera um dia de cada vez. Há muita volatilidade e inconstância, ao sabor do indicador do dia sobre a saúde da economia dos EUA, e nenhuma tendência de médio prazo. A falta de certeza sobre os juros americanos afeta todos os mercados globais. Os analistas já têm um culpado pelo sobe-e-desce desnorteado do juro dos papéis de 10 anos: Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed). O dirigente ora sinaliza a intenção do Fed de interromper em breve o aperto monetário, ora indica a necessidade de insistência no movimento de elevação comedida das taxas. Foi assim em abril (a ata da última reunião do comitê de política monetária, bem otimista, desmentiu o tom sombrio do comunicado pós-reunião) e está sendo assim nesse começo de maio. Depois que o seu discurso no Congresso, na quinta-feira - com franqueza inusual a presidente do Fed, disse que seria feita uma "pausa" no aperto -, provocou euforia mundial, Bernanke confidenciou a jornalista da CNBC que havia sido mal interpretado. Conclusão dos mercados: o Fed não sabe o que fazer com os juros. E isso é péssimo à credibilidade de Bernanke.
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A partir do comportamento dos treasuries, os mercados oscilam dependendo do estado de espírito de Bernanke e dos informes econômicos do momento. Dois dos menos cotados pelos analistas - encomendas à indústria e índice do setor de serviços - mexeram ontem com a sensibilidade dos mercados, quando, em épocas de solidez de tendência, mal arranham a superfície das mesas de operações. Os juros de 10 anos saltaram, no começo do dia, de 5,11% para 5,16%, e fecharam a 5,14%, porque as encomendas cresceram 4,2% em março, ante expectativa de 3,7%. E porque o índice de serviços subiu a 63 pontos em abril, para projeções de 59,6 pontos. Esses indicadores não se esgotam em si mesmos. Para que a tese de aquecimento econômico levantada por eles seja plausível, precisam ser reconfirmados por outros mais fidedignos, como os índices de inflação e os relatórios de emprego. O fato é que atualmente qualquer dado tem chance de ser crível porque não se sabe a leitura que Bernanke fará dele.
O mercado monetário tinha até sexta-feira certeza de que a taxa de curto prazo iria parar de subir quando chegasse a 5% na reunião do Fed marcada para a próxima quarta-feira, dia 10. Na segunda, após a confidência de Bernanke, passou a trabalhar com a possibilidade de o juro avançar a 5,25% em 29 de junho e depois a 5,50% na reunião do dia 8 de agosto. Não há mais certeza de nada. Não se trata mais de um mero problema de "comunicação", de o Fed encontrar uma fórmula perfeita de transmitir a sua visão aos mercados, e de ser compreendido por eles. O que o mercado sente é que não há o que comunicar. E os juros de 10 anos passam a embutir um prêmio contra o insondável. Sofrem com isso os mercados emergentes.
Nenhum dos mercados domésticos escapou. Após acumular desvalorização de 2,58% em quatro dias, o dólar fechou ontem em alta de 0,63%, cotado a R$ 2,073. Surpreendeu negativamente o reduzido superávit cambial de abril, de apenas US$ 609 milhões. Quase que as pesadas remessas de lucros e dividendos feitas por multinacionais engolem o saldo da balança comercial. A demanda privada por dólares e as compras do BC permitiram aos bancos reduzir suas posições compradas de US$ 5,6 bilhões no final de março para US$ 3,74 bilhões em abril. Os juros negociados no mercado futuro da BM&F fecharam em alta. O contrato mais líquido, para janeiro de 2008, saltou de 14,56% para 14,65%. E o mais curto, para a virada do mês, ainda está em cima do muro. Embute projeção de corte de 0,65 ponto da Selic na próxima reunião do Copom, dia 31 de maio. O mercado ainda não tem certeza sobre o referendo do sinal de que o ritmo de corte será desacelerado para 0,50 ponto.