Título: Populismo de Chávez dificulta acordos com UE
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Brasil, p. A2

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, começa a alimentar mais perplexidade e incertezas nas relações da América Latina com a União Européia (UE), entre aliados e nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Chávez, que até agora concentrou-se no antiamericanismo, já fez o primeiro estrago na Cúpula União Européia-América Latina, a ser realizada na próxima semana em Viena (Áustria), onde está previsto seu desembarque com uma delegação de cem pessoas, a maior provavelmente entre os 34 governantes latino-americanos.

Nessas cúpulas, os acordos comerciais têm dado a substância para ampliar as relações. Foi assim com acordos com o México, o Chile, as atuais negociações com o Mercosul. Agora, o plano era anunciar durante a cúpula o lançamento de negociações para acordos comerciais com a Comunidade Andina das Nações (Venezuela, Bolívia, Colômbia, Peru e Equador) e com países da América Central.

Mas o presidente Chávez praticamente sepultou a negociação da CAN com os o europeus, depois de ter anunciado que seu país abandonaria o bloco. Isso em retaliação ao fato de Colômbia e Peru terem negociado acordos comerciais com seu inimigo, os Estados Unidos.

Ontem, numa tentativa de reação, o presidente peruano Alejandro Toledo enviou uma carta ao presidente da Comissão Européia, José Durão Barroso, insistindo que se "alguns" não querem a integração birregional, outros querem sim e com muita vontade. Bruxelas avalia, porém, "altamente improvável" deflagrar a negociação onde não vê integração, e sim instabilidade.

Visto de Bruxelas, o protagonismo populista de Chavez provoca abalos também na combalida negociação UE-Mercosul. Segundo Álvaro Vasconcelos, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Lisboa, a União Européia teme que o alargamento rápido do bloco do Cone Sul, e sem pré-condições na entrada da Venezuela, enfraqueça a única experiência que os europeus consideram como inspirada em seu modelo de integração.

Como nota Alfredo Valadão, diretor da cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o problema é que o presidente venezuelano, em vez de ter posição pragmática de integração, procura, por motivo ideológico, se contrapor aos EUA, e não reforçar a capacidade de barganha da América do Sul.

A diplomacia venezuelana contribui para piorar as coisas, mesmo em questões mais de forma do que de substância. Na negociação da Declaração de Viena, a diplomacia de Chávez brigou para incluir propostas "esdrúxulas". Mas mostrou uma capacidade bem limitada, ao contrário dos experimentados cubanos, que nesse campo demonstram talento para tentar jogar num documento europeu-latino sua briga histórica com os Estados Unidos, sabendo que não serão bem-sucedidos.

Pela maneira mais truculenta do que diplomática, na base do "sou eu que estou pagando", os venezuelanos causaram tensão até em argentinos e caribenhos, ao tentarem incluir no documento UE-América Latina referência a projetos de ajuda energética para esses países, para capitalizar isso politicamente. Chávez certamente estará no centro das atenções em Viena. "Até porque ele é visto na Europa como um problema e contribui para uma imagem de América Latina que preocupa", diz Cristian Ferrer, pesquisador do Centro Europeu de Pesquisas Internacionais, de Bruxelas.

-------------------------------------------------------------------------------- Interesses da Venezuela são distintos dos do Brasil --------------------------------------------------------------------------------

Nesse cenário, a estratégia européia para uma parceria reforçada entre a União Européia e a América Latina reconhece a importância específica de alguns protagonistas na região - citando especificamente o Brasil num documento enviado ao Parlamento Europeu. Bruxelas tem uma relação importante com o México, mas esse país tem seus planos de integração dirigidos para a América do Norte.

Com o Brasil, a UE reconhece que dispõe "de escassas estruturas de diálogo bilateral sem dimensão política". Acha que essa situação não se coaduna mais com a "evolução rápida do Brasil como pólo econômico e político mundial". Mas cobra "maior empenho" para a integração.

Como diz Álvaro Vasconcelos, a UE espera do presidente Lula que coloque claramente a relação com a UE como prioridade central. "A sensação na Europa é de que o Brasil diversificou demais suas prioridades e fez a relação com a Europa perder ímpeto", diz o analista.

Em Viena, depois da cúpula, haverá uma reunião separada entre dirigentes da UE e do Mercosul - incluindo Chávez. Divulgarão uma declaração reiterando o interesse em fechar a negociação entre os dois blocos. Mas todo mundo sabe que isso depende do sucesso da Rodada Doha, na OMC.

Em Genebra, redobra-se a atenção ao papel que o presidente da Venezuela poderá ter, quando chegar o momento de um acordo para liberalização do comércio internacional agrícola, industrial e de serviços na OMC.

O temor é que, por razões ideológicas e na briga com os Estados Unidos, o governo da Venezuela decida bloquear tudo. O primeiro sinal foi dado na conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro, onde o que estava em jogo era muito menor. Venezuela e Cuba queriam bloquear um magro entendimento sobre a continuação da negociação de serviços. Foi preciso que o presidente Lula e dirigentes chineses telefonassem a Chávez para conclamá-lo a mudar de posição.

A questão agora é se, numa próxima ocasião, o presidente venezuelano se dobrará de novo à demanda de Lula. Ainda mais que dessa vez será um acordo para valer. A Venezuela tem interesses bem distintos do Brasil. É protecionista na área agrícola, controlando a entrada de importações através de cotas (restrição quantitativa).