Título: Futuro do regime de metas divide opinião de analistas
Autor: Lamucci ,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2012, Brasil, p. A10

O regime de metas de inflação está na berlinda, com as mudanças na condução da política monetária promovidas pela gestão de Alexandre Tombini. Os mais críticos dizem que o Banco Central simplesmente não se preocupa mais com o cumprimento da meta, de 4,5%, dando mais peso ao crescimento, enquanto outros afirmam que a instituição ainda se orienta pelo alvo, mas age apenas quando a inflação ameaça romper o teto, de 6,5%. Há ainda quem defenda a atuação da autoridade monetária, destacando que o cenário internacional continua longe da normalidade, com baixo crescimento ou recessão nos países desenvolvidos e uma abundante liquidez nos mercados globais - além disso, a economia brasileira perdeu força no segundo semestre.

Em pouco mais de um ano à frente da instituição, Tombini alterou significativamente a forma de atuar do BC. Em agosto de 2011 inverteu a mão da política monetária, começando um ciclo de baixa da Selic depois de seis altas seguidas. Passou a dar grande peso às chamadas medidas macroprudenciais, para regular o crédito, não confiando apenas no manejo dos juros. Em seus documentos, tenta convencer os analistas de que a taxa neutra de juros (aquela que não acelera a inflação) caiu expressivamente. Para completar, na ata da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom), indicou que pretende reduzir a Selic para a casa de um dígito.

Em documento distribuído na última quinta-feira, resultado da consulta a cerca de 100 analistas, o Banco Central informou que o próprio mercado considera que a taxa de juros real de equilíbrio está hoje em 5,5% ao ano. Nesta semana, primeiro em São Paulo, e depois no Rio de Janeiro, esses e outros assuntos devem compor a reunião da autoridade monetária com os economistas do mercado.

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Carlos Eduardo Gonçalves não acha que o regime de metas de inflação acabou. O arcabouço do sistema - como as reuniões periódicas do Copom, a divulgação da atas dos encontros e a publicação do relatório trimestral de inflação - continua de pé, e se trata de uma parte importante dele, segundo Gonçalves. O que mudou, para ele, é que o BC dá sinais de que passou a tratar os 4,5% do centro da meta como um piso. Isso não quer dizer, contudo, que a autoridade monetária não tenha mais nenhuma preocupação com a evolução dos preços, diz ele. Se a inflação se aproxima do teto de 6,5%, o BC tende a agir.

Em artigo recente, Gonçalves escreveu que "a função de reação do BC dita o seguinte curso de ação: quando a inflação ameaçar romper o teto de 6,5% no ano calendário, deve-se subir os juros e também os compulsórios e quando a inflação se aproximar de 4,5%, deve-se afrouxar a política monetária, com ênfase na queda de juros".

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Vieira da Cunha diz que a análise da função de reação da autoridade monetária mostra, a partir do segundo trimestre de 2009, uma redução significativa do peso do diferencial entre as expectativas de inflação e a meta, enquanto ganhou espaço a atividade econômica (medido pelo hiato do produto, a diferença entre o PIB efetivo e o potencial, que retrata a ociosidade de recursos na economia). Para Vieira da Cunha, essa mudança de atuação, seguida por muitos bancos centrais, fazia sentido em 2009, no auge do impacto da crise. A questão é que o peso da inflação seguiu baixo mesmo depois que o cenário global tornou-se menos incerto e se afastou o risco de depressão.

Vieira da Cunha vê com reservas a atuação recente do BC. "A inflação continua preocupante", diz ele, observando que os preços de serviços seguem pressionados, na casa de 8% a 9% em 12 meses. "A inflação tem hoje um caráter muito inercial, o que a torna mais difícil de ser debelada." A inércia é o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura. Ele acha que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode ficar entre 6% e 6,5% em 2012 - em 2011, ficou em 6,5%. Um dos problemas é que diminuiu a eficiência da política monetária, avalia Vieira da Cunha, sócio do Tandem Global Partners.

O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman tem uma visão ainda mais crítica. Para ele, a autoridade monetária não mostra preocupação com a convergência da inflação para o centro da meta. Nesse sentido, a ata da reunião mais recente do Copom seria emblemática. O BC indicou que pretende reduzir os juros para a casa de um dígito mesmo com seus modelos projetando inflação distanciando-se do centro da meta em 2013, num cenário em que leva em conta as projeções do mercado para os juros, que incluía a redução da Selic para 9,5% ao ano.

Gonçalves tem uma opinião mais branda sobre a política monetária do BC, mas também vê com reservas o anúncio explícito da intenção de derrubar a Selic abaixo de 10%. "E se ocorrer um choque de oferta?", questiona ele.

Schwartsman também vê com grande ceticismo a tese de que a Selic pode recuar mais porque a taxa neutra de juros no Brasil seria hoje mais baixa - segundo o BC, devido a fatores como o cumprimento da meta de inflação pelo oitavo ano consecutivo, a manutenção de superávits primários elevados, o aprofundamento do mercado de crédito, as mudanças no mercado financeiro e o aumento da oferta de poupança externa.

Schwartsman acredita que a taxa neutra pode ser hoje algo entre 6% a 6,5%, descontada a expectativa de inflação, inferior aos 7% que ele estimou tempos atrás, mas ainda assim superior aos cerca de 4% atuais. Com um mercado de trabalho apertado e uma inflação em 12 meses ainda bastante acima de 4,5%, essa taxa de juros não lhe parece compatível com a convergência do IPCA para o centro da meta.

O ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo está na ponta contrária de Schwartsman. Para ele, o regime de metas continua vivo. "Na minha visão, o mundo mudou, e o cenário externo continua ainda muito distinto de um quadro de relativa normalidade." Os EUA crescem pouco, a Europa deve retração neste ano e há liquidez abundante no mercado internacional, o que implica em enxurrada de dinheiro para o Brasil. Nesse cenário, é preciso uma política monetária mais flexível, como têm feito Inglaterra e Israel, afirma ele.

Figueiredo também diz que houve uma forte redução do ritmo de crescimento no Brasil. No primeiro trimestre, a expansão anualizada em relação ao trimestre anterior foi de 4,5%, feito o ajuste sazonal, caindo para zero no terceiro. No quarto, a taxa anualizada deve ter ficado no máximo em 1%, estima ele, o que significa que a atividade também justifica uma política monetária mais relaxada.

"Em agosto, o BC surpreendeu a todos ao reduzir a Selic, e ficou claro que eles estavam certíssimos", avalia Figueiredo, que acredita num IPCA de 5% em 2012 e numa Selic possivelmente abaixo de 9%. O erro da autoridade monetária, segundo ele, ocorreu no segundo semestre de 2010, quando a atividade econômica estava forte e um ciclo de alta da Selic foi interrompido. "Mas em 2011 o BC deu show." Figueiredo também não vê problemas no anúncio de que a Selic deve cair para a casa de um dígito. "Vão reclamar que o BC é muito transparente?", diz ele, sócio da Mauá Sekular Investimentos.