Título: Bens duráveis e serviços seguem direções opostas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2012, Brasil, p. A10

A análise da inflação brasileira evidencia o contraste do comportamento entre as cotações dos bens de consumo duráveis e os serviços. Contidos pela concorrência externa, num cenário de câmbio valorizado, os duráveis mostram seguidas deflações, impedindo uma alta mais forte dos índices de preços, que continuam a sofrer a forte pressão dos serviços, reflexo do bom momento do emprego e da renda e do peso da inflação passada sobre alguns itens (como aluguel).

Outro ponto que chama a atenção é o nível elevado dos núcleos de inflação, que seguem próximos ou acima de 6,5%, o teto da meta perseguida pelo Banco Central. Isso preocupa porque os núcleos de inflação são uma medida que buscam excluir ou diminuir o peso dos itens mais voláteis, e ainda assim se mostram pressionados.

Nos 12 meses até fevereiro, os duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) estão em queda de 2,2%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15). São produtos em que a presença do importado é forte, segurando os preços. Nem mesmo a alta do dólar nos últimos meses do ano passado - já revertida - provocou alguma pressão sobre as cotações desses bens.

No segundo semestre de 2011, a indústria também sofreu com a formação de estoques indesejados, devido à perda de fôlego da demanda e à competição feroz dos importados. Para alguns analistas, o processo de ajuste de estoques também contribuiu para manter os preços dos duráveis no terreno negativo. A questão é que os bens duráveis têm peso modesto no IPCA, ainda que tenham ganhado espaço depois da reponderação do indicador, feita com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008/2009. Antes, respondiam por algo como 8% do IPCA, agora, o peso é de 10,5%.

O comportamento dos serviços (como aluguel, empregado doméstico, conserto de automóvel e cabeleireiro) é o oposto. Sem sofrer a concorrência externa, os preços seguem em alta firme, na casa de 8,5% a 9%. Nos 12 meses até fevereiro, eles ficaram em 8,53%, abaixo dos 8,82% registrados em 2011. É um nível bastante elevado, que torna difícil a convergência da inflação para o centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%.

O aumento de cerca de 14% do salário mínimo tende a manter esses preços sob pressão. O reajuste vai elevar a renda de uma parcela significativa da população, ao mesmo tempo que deve provocar uma alta forte do item empregado doméstico, cujos rendimentos são muito influenciados pelo que ocorre com o piso salarial no país.

Um mercado de trabalho apertado, com taxas de desemprego nas mínimas históricas, abre espaço para que os serviços continuem a subir a um ritmo superior ao da média da inflação. Os serviços têm peso um pouco inferior a um quarto do IPCA. O BC passou a considerar alimentação fora do domicílio dentro desse grupo, por ter características de serviços, o que elevou o peso do segmento no IPCA para 33,7%. A alta de 8,53% nos 12 meses até fevereiro, contudo, não inclui a variação de preços de refeição fora de casa.

Um aspecto preocupante da inflação é o comportamento dos núcleos. No IPCA-15, o calculado pela exclusão de dez alimentos no domicílio e dois tipos de combustíveis está em alta de 6,23% nos 12 meses até fevereiro, acima dos 5,98% do índice "cheio". Ele tem perdido força, já que terminou 2011 em 6,78%, mas continua bastante pressionado.

A situação é pior quando se analisa o núcleo por dupla ponderação, que reduz o peso dos itens mais voláteis. Nos 12 meses até fevereiro, a alta ainda é de 6,61%, menos que os 7% de 2011, mas ainda acima do teto da meta perseguida pelo BC, de 6,5%. As altas fortes acumuladas pelos núcleos mostram que a inflação não sofre apenas com uma ou outra pressão localizada, já que essas medidas tentam oferecer um retrato livre de movimentos pontuais ou sazonais. Há uma tendência de queda também nos núcleos, mas os níveis são incômodos. (SL)