Título: Quem for dirigir o Funpresp terá uma tarefa árdua, diz Garibaldi
Autor: Villaverde,João
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2012, Política, p. A12

O projeto que reforma o regime de previdência dos servidores federais será votado e aprovado nesta semana na Câmara dos Deputados, depois de 54 meses em tramitação. A avaliação é do ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, segundo quem o Projeto de Lei (PL) 1.992/07, que cria o fundo de previdência complementar dos servidores federais, o Funpresp, está "redondo" e não terá mais alterações. "O que o governo tinha de fazer já fez. Vamos ouvir todos que ainda fazem oposição, mas agora ficou mais difícil ceder. Nossa parte está terminada. Nossa expectativa é que desta semana não passa, será aprovado", disse o ministro em entrevista concedida ao Valor.

Uma das prioridades da presidente Dilma Rousseff desde o início de seu mandato, no ano passado, o projeto que cria o Funpresp ainda enfrenta resistência de parlamentares da base aliada, em especial do próprio PT, partido de Dilma. O governo aceitou ceder quanto à participação do Tesouro Nacional nos aportes paritários - Dilma queria que o Tesouro cobrisse o equivalente a 7,5% do que o servidor aportar no Funpresp, mas acatou o pedido dos deputados petistas, que exigiam alíquota de 8,5%.

O governo também acatou pedido dos magistrados, formalizado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), quanto à disposição inicial de fazer do Funpresp um fundo para todos os servidores federais - agora, o projeto prevê a criação de um fundo para cada Poder. Já a oposição vai dividida para a votação do projeto. Enquanto o PSDB apoia o projeto, o PPS tem um substitutivo à proposta petista e o DEM é contra.

"Vamos ouvir todos que ainda fazem oposição, mas agora ficou mais difícil ceder. Nossa parte está terminada"

O atual regime de previdência do setor público federal garante aos servidores que ingressaram no serviço público até 2004 o último salário integral como benefício previdenciários, e para aqueles que ingressaram a partir de 2005 recebem o equivalente a 80% dos maiores salários recebidos. No ano passado, os 953 mil servidores aposentados pela União representaram um déficit de R$ 56 bilhões para os cofres públicos, enquanto 28,1 milhões de aposentados pelo setor privado, com benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), registraram déficit muito inferior, de R$ 36,5 bilhões.

Até que o projeto seja aprovado no Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, não serão realizadas novas contratações, para que os futuros servidores já contribuam para o Funpresp. Dos 1,1 milhão de servidores na ativa, 444 mil terão condições de se aposentar entre este ano e 2015 - e, portanto, devem ser substituídos.

O Funpresp, se efetivamente criado, dificilmente sofrerá indicações políticas para sua administração, afirma o ministro da Previdência. Segundo Garibaldi, a exposição não será positiva, uma vez que os futuros integrantes da direção e do conselho fiscal do Funpresp terão de lidar com "enormes e crescentes" déficits. "Não é bom para ninguém com pretensões políticas ser associado a déficits no noticiário", diz o ministro.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: Porque que está tão difícil aprovar o Funpresp mesmo depois de a presidente, em 2011, ter declarado prioridade e reafirmado sua importância para o governo?

Garibaldi Alves: Todas as condições foram criadas para a aprovação do projeto antes do Carnaval. O governo construiu um acordo na Câmara, havia quórum suficiente, quase 450 deputados, enfim, tudo estava pronto. Mas houve motivos além do projeto para que não fosse votado, motivos que nada tiveram a ver com o projeto. Nossa expectativa é que desta semana não passa.

Valor: Foi um pedido da oposição, do PSDB, para que o projeto fosse votado depois do Carnaval. O governo tem a oposição favorável?

Garibaldi: O PSDB, inclusive, implementou um regime muito semelhante ao Funpresp em São Paulo, governado por Geraldo Alckmin (PSDB). Eles devem ser favoráveis ao Funpresp, suponho.

Valor: O projeto, então, seguirá para o Senado, onde terá 45 dias para tramitar, uma vez que tem caráter de urgência constitucional. Como ex-presidente do Senado, o sr. entende que a discussão será menos emperrada do que tem sido na Câmara, onde o projeto tramita desde 2007?

Garibaldi: Eu acredito que sim. Estou afastado da Casa desde o primeiro dia do ano passado, quando comecei como ministro. Pelo que sei da minha vivência no Senado, acho que o projeto será aprovado dentro de um prazo breve, rápido mesmo, porque os senadores, acima de tudo, vão se sensibilizar com a situação do governo diante desse déficit monstruoso de R$ 60 bilhões que se avizinha para a previdência dos servidores federais em 2012.

"Não se redesenha o futuro previdenciário de uma nação sem passar por um período de transição"

Valor: O governo cedeu nas três principais demandas dos parlamentares e sindicalistas que se opõem ao projeto: a participação paritária do Tesouro será de 8,5%, e não de 7,5% como queria o governo; serão três fundos, uma para cada Poder, e não um fundo único; e haverá um fundo de compensação para as categorias especiais, como policiais rodoviários e professores. O governo cedeu muito?

Garibaldi: Nós tivemos a oportunidade de dialogar até com ministros do STF quando se reivindicou que o fundo não fosse só um fundo, que cada Poder tivesse o seu fundo e o governo compreendeu isso. Conversamos com todos, porque a presidente disse que era preciso aprovar a qualquer custo o projeto, mantendo o máximo de coesão ao texto original do Executivo. Foi o que fizemos em 2011. Agora o projeto está redondo, e se alguma associação de magistrado ou sindicato quiser mais terá de discutir no Congresso. O que o governo tinha de fazer já fez. Nossa parte está terminada.

Valor: Como vai ser a blindagem da direção e dos conselheiros do Funpresp? O fundo pode sofrer interferência de partidos políticos, como outros, não?

Garibaldi: Por enquanto, a maior blindagem que ele tem é o déficit da previdência dos servidores. Quem for dirigir o Funpresp que não pense que vai ter uma tarefa fácil, tranquila, em que haverá claro dividendo político. Vai ser uma tarefa árdua. Então, em um primeiro momento, não tenho nenhuma dúvida que o desafio é muito grande para que as pessoas que possam pensar em indicações de natureza política. Não é bom para ninguém com pretensões políticas ser associado a déficits no noticiário.

Valor: O momento escolhido para criar o Funpresp é de corte de gastos. No entanto, o Funpresp, se aprovado, vai gerar um aumento de gastos no curto prazo, de R$ 100 milhões para a estrutura do fundo, além dos custos atuariais de dois regimes [o atual e o novo] convivendo juntos.

Garibaldi: Parece uma incoerência, não? Mas o aumento que haverá decorrente da aprovação da Funpresp, segundo o calculado e mencionado pelo Ministério da Fazenda, é um aumento que não preocupa. E não é incoerência porque nós estamos trabalhando um projeto de Estado e não de governo. Nós queremos redesenhar o futuro previdenciário. Não se redesenha o futuro previdenciário de uma nação sem passar por um período de transição. Esse aumento será muito menor do que a economia com a redução da taxa de juros possibilitada pela aprovação do Funpresp.

Valor: O governo sinalizou, no ano passado, a intenção de acabar com o fator previdenciário. Depois recuou. Como está essa discussão?

Garibaldi: O fator previdenciário surgiu por causa da não aprovação de uma idade mínima para o trabalhador poder se aposentar. Para que o fato previdenciário desapareça, algo que desejamos, ele precisa antes ser substituído. Isso foi discutido exaustivamente no ano passado, mas não se chegou a um consenso.

Valor: Por que?

Garibaldi: Porque nós queremos a "alternativa mista", que leva em conta idade mínima somada a um tempo de contribuição, ou simplesmente a adoção de uma idade mínima. O Brasil é, ao lado do Irã e do Equador, um dos três únicos países que não adotam idade mínima para se aposentar. Os sindicatos que representam os aposentados e as centrais sindicais estão conosco quanto à extinção do fator previdenciário, mas não concordam com as duas ideias de substituição. O ideal para o governo é a formação de um consenso. Como não há, ainda, isso está parado.

Valor: Mas no caso do Funpresp o governo não esperou a formação de um consenso, uma vez que ainda há petistas no Congresso que são francamente contrários ao projeto. A presidente definiu que era prioritário e a pressão pela aprovação começou.

Garibaldi: O governo está muito empenhado em aprovar o Funpresp e todas as atenções do governo estão voltadas pra isso. À medida que ele for aprovado, como se espera, a discussão sobre o fator previdenciário será retomada.