Título: CGU tenta blindar Erenice
Autor: Rizzo, Alana; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2010, Política, p. 9

Controladoria-Geral da União aponta indícios de irregularidade em apenas uma entre cinco notas técnicas que investigam gestão de ex-ministra de Lula

Às vésperas da eleição, a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu parte das auditorias referentes aos contratos que derrubaram a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. Das cinco notas técnicas emitidas pelo órgão de controle interno, apenas uma indica indícios de irregularidades. A tentativa de blindar o caso aconteceu no mesmo dia em que a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, ex-chefe da Casa Civil, participou do último debate eleitoral antes de 3 de outubro.

Conforme o Correio revelou em 17 de setembro, parte da verba do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Ministério das Cidades ficou sem comprovação. O dinheiro previsto para a elaboração de planos diretores nas regiões metropolitanas foi repassado à Fundação Universidade de Brasília (FUB). José Euricélio Alves de Carvalho, irmão de Erenice, trabalhava na fundação. Poucos meses antes, no entanto, ele exercia função de assessor na Secretaria de Mobilidade Urbana no ministério responsável pelos repasses à fundação. A cadeia de repasses de R$ 10,5 milhões, citada pela reportagem, foi contestada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão entendeu que o projeto não especificava o destino dos recursos. Após a auditoria, R$ 8,4 milhões foram devolvidos aos cofres públicos e os gastos de R$ 2,1 milhões já realizados não foram detalhados.

De acordo com a análise preliminar feita pela CGU, não há como garantir o envolvimento de Euricélio nas irregularidades, mas ficou constatado que ele trabalhou para os dois órgãos envolvidos no episódio em períodos próximos e seguidos, na época dos fatos. Em resposta à reportagem, o Ministério das Cidades alegou que os R$ 2,1 milhões foram usados para o pagamento de funcionários, diárias e contribuições sindicais.

Na análise dos processos relativos à contratação da Fundação Universidade de Brasília (FUB) pelo Ministério das Cidades (MCid), a CGU encontrou indícios de irregularidades relacionadas, sobretudo, à escolha da instituição para a realização dos serviços e ao pagamento de R$ 2,1 milhões por produto que aparentemente não atendeu à demanda estabelecida pelo MCid. Em vista disso, a CGU está notificando o MCid, para que se manifeste e esclareça se tomou as providências cabíveis. Depois disso, será concluído o relatório.

Mineradora Com relação à outra denúncia do Correio sobre o arquivamento de multas aplicadas à empresa Matra Mineração, do marido de Erenice, José Roberto Campos, a CGU alega que não foram encontradas falhas. Outras três denúncias analisadas também não tiveram irregularidades detectadas. A primeira delas, uma suposta compra superfaturada do medicamento Tamiflu, segundo matéria da revista Veja, aconteceu dentro da normalidade. A CGU concluiu que não houve quaisquer irregularidades, seja quanto às quantidades adquiridas, ao preço, ou ao fornecedor. O órgão ainda cita que a transação foi toda feita pelo Ministério da Saúde, sem intermediação da Casa Civil.

Licitação A contratação com dispensa de licitação do escritório de advocacia Trajano e Silva Advogados pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), denunciada pelo Estado de S. Paulo, também foi considerada legal pela controladoria. A auditoria entendeu que não houve tráfico de influência, já que familiares de Erenice não constavam do quadro de sócios da empresa quando da contratação. A CGU apontou que a dispensa de licitação poderia ter sido exigida por causa da emergência que cercava a contratação e que o preço pago pelo serviço (R$ 25 mil) estava dentro dos valores de mercado. Entretanto, recomendou à EPE mais cuidado nas licitações e recomendou que a empresa fundamente suas futuras contratações com pesquisas de preço.

A última análise já concluída pela CGU diz respeito ao suposto tráfico de influência feito por Israel Guerra, filho de Erenice, para facilitar um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à empresa EDRB para a implantação de um projeto de geração de energia heliotérmica na Região Nordeste. O órgão entendeu que o financiamento seguiu as normas internas e não foi aprovado por questões técnicas.

A controladoria analisa outras denúncias de negócios intermediados por Israel, entre eles os dos Correios com a MTA Linhas Aéreas e o patrocínio esportivo pela Eletrobras da equipe de corrida Corsini Racing. E, ainda, o processo de concessão à empresa Unicel, ligada ao marido de Erenice, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Todos os resultados estão sendo encaminhados ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto.

O número R$ 8,4 milhões Valor devolvido pelo Ministério das Cidades aos cofres públicos após análise do TCU

Investigações

Conheça o resultado de cinco auditorias feitas pela CGU referentes à gestão da ex-ministra Erenice Guerra na Casa Civil.

PAC (resultado parcial) » O Ministério das Cidades repassou para a Fundação Universidade de Brasília (FUB) os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previstos para a elaboração de planos diretores. A auditoria da CGU, embora ainda não esteja concluída, encontrou indícios de irregularidades relacionadas à escolha da instituição para a realização dos serviços e ao pagamento de R$ 2,1 milhões por produto que aparentemente não atendeu à demanda estabelecida. Quanto ao possível envolvimento de José Euricélio Alves de Carvalho, irmão da ex-ministra, a CGU apenas constata que ele foi assessor na Secretaria Nacional de Transportes e Mobilidade Urbana (Semob) do ministério, e contratado pela Editora UnB, em períodos próximos e seguidos, na época dos fatos, como mostrou o Correio.

Matra Mineração » A empresa do marido de Erenice Guerra tem seis alvarás de pesquisa para explorar minerais no Entorno do DF. A mineradora teve 14 multas arquivadas em 2004 pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia. A auditoria da CGU diz que houve erro da Procuradoria-Geral do órgão em anular as multas, e que elas foram reaplicadas em 2008. Sobre os processos de exploração mineral, o órgão afirma que a documentação está regular.

Tamiflu » A compra do remédio Tamiflu, usado no combate à pandemia de gripe H1N1, teria sido alvo do esquema de Erenice e de seu filho Israel Guerra. Segundo a revista Veja, o ex-assessor da Casa Civil Vinícius Castro afirmou ter recebido R$ 200 mil de propina no caso. A CGU analisou oito processos de aquisição do medicamento e concluiu que tudo ocorreu dentro da normalidade. Além disso, segundo o órgão, todo o processo de compra foi conduzido pelo Ministério da Saúde, sem qualquer participação de outras áreas do governo.

Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) » A empresa, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, contratou, sem licitação, o escritório de advocacia Trajano e Silva Advogados, cujo um dos sócios era um irmão da ex-ministra. A CGU afirma que Antônio Eudacy Alves Carvalho só entrou oficialmente na sociedade em novembro. Outra irmã dos dois, Maria Euriza Alves de Carvalho, era a consultora jurídica da EPE. A auditoria mostrou que, embora o fundamento da contratação por inexigibilidade fosse equivocado, diante da inexistência de singularidade ou especialidade da ação judicial em discussão, a licitação poderia ser realmente dispensada. A CGU recomendou à EPE maior cuidado e precisão no enquadramento das hipóteses de inexigibilidade de licitações e que as contratações fossem feitas com base em amplas pesquisas de preço.

EDBR » O empresário Rubnei Quícoli, um dos sócios da EDBR, afirma que funcionários da Casa Civil tentaram intermediar o pedido de financiamento para um projeto de usina solar apresentado pela empresa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Após analisar a documentação disponibilizada, a CGU concluiu que o pleito de financiamento teve o tratamento técnico previsto nas normas internas do BNDES e que o mesmo não foi aprovado por não atender aos requisitos exigidos pelos normativos internos daquela instituição financeira.