Título: Renan frustra planos do Planalto e assume Presidência
Autor: Costa, Raymundo e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Política, p. A7

O senador Renan Calheiros, 50, assumirá interinamente a Presidência da República hoje, na ausência do titular Luiz Inácio Lula da Silva, que estará na Argentina. O presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória. Os dois primeiros, o vice José Alencar e o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, não assumirão porque se tornariam inelegíveis, de vez que são candidatos às eleições de outubro. Renan assume frustrando a expectativa - inclusive de Lula - da posse da presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie (o quarto nome na linha sucessória), que se tornaria a primeira mulher a ocupar o principal posto da República.

A transmissão do cargo para Renan, hoje de manhã na Base Aérea de Brasília, só foi confirmada após às 21h30 de ontem. A mudança de Ellen para Renan tem como pano de fundo a insatisfação do PMDB governista, especialmente a bancada do Senado, com o Palácio do Planalto. Já no meio da tarde, quando era dado como certo que Ellen substituiria Lula, Renan deu declarações no Senado dizendo que não havia sido convidado para participar da comitiva presidencial que iria a Argentina. Portanto, não podia informar se assumiria ou não o posto.

Na realidade, o cerimonial do Palácio do Planalto havia contactado a presidência do Senado e formalizado o convite para que Renan - assim como o presidente da Câmara, Aldo Rebelo - integrasse a comitiva presidencial. A alegação do Planalto era que precisava dar peso político às negociações com o presidente da Bolívia, Evo Morales, da Venezuela, Hugo Chaves, e da Argentina, Néstor Kirchner. Mas na prática a idéia era abrir caminho para a posse de Ellen Gracie. O fato de o contato ter sido feito por meio do cerimonial e pelo chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, já deixou Renan incomodado. Ele esperava um convite direto do presidente.

Renan tem se queixado do tratamento dispensado por Lula. O presidente do Senado se acha credor do presidente por ter enviado para o arquivo um requerimento para a criação da "CPI do Lula" e por ter manobrado para impedir que a oposição levasse o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) para depor no Senado, após ele ter sido ouvido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas incomodava especialmente o grupo governista do PMDB do Senado o fato de Lula não decidir em relação às pendências do partido com o governo.

São duas as pendências principais: a indicação de um novo ministro da Saúde no lugar do deputado Saraiva Felipe (MG) - um dos nome indicados é o do médico Ernani Mota, ligado ao PMDB do Pará - e a substituição do ministro Hélio Costa (Comunicações) ou o loteamento do ministro e das estatais a ele vinculadas entre indicados do líder Ney Suassuna (PB) e dos senadores José Sarney (AP) e Romero Jucá (RR). Além de Renan, foram ao Palácio do Planalto ontem à noite, tratar desse assunto, Romero e os deputados Eunício Oliveira (CE) e Jader Barbalho (PA). Nessa conversa é que ficou decidido que Renan não viajaria - e assumiria a Presidência.

Uma outra questão inquietava Renan ao longo da tarde: se assumisse, teria de renunciar de uma vez por todas à possibilidade de vir a integrar a chapa de Lula na condição de candidato a vice-presidente, nas eleições de outubro. O problema é que dificilmente o PMDB se coligará ao presidente, por causa da verticalização das eleições. Por fim, Renan alegou que assumiria pelo simples fato de que não iria viajar: como o vice-presidente e o presidente da Câmara não assumiriam e ele não iria viajar para fora do país, não caberia portanto ao presidente Lula convidá-lo para a viagem a Argentina, retirando-lhe uma prerrogativa constitucional.

A interinidade de Ellen Gracie estava prevista para hoje, quando o presidente Lula viaja para Puerto Iguazu, na Argentina, para discutir a crise com a Bolívia, e convidou a acompanhá-lo todos as demais autoridades na linha sucessória: o vice, José Alencar, e os presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros.

Enquanto não corria a definição de Renan, o Palácio do Planalto não procurou o STF para confirmar a transmissão do cargo a Ellen Gracie. Mas a ministra falou, em tese, sobre a possibilidade de ocupar o lugar de Lula. Ellen disse que assumir a Presidência seria "um momento simbólico para as mulheres brasileiras e para a sociedade como um todo". "É um marco de igualdade, de igualdade de gênero, e, cada vez que se quebra um preconceito, fica mais fácil a gente perceber e quebrar outros preconceitos que ainda existem infelizmente na sociedade", declarou. A ministra foi questionada sobre temas polêmicos, dos quais deve tratar o presidente interino, como a crise da Bolívia, por exemplo, mas evitou maiores comentários. Ellen afirmou que a crise da Bolívia é recente e soube dos fatos somente pelos jornais.

Não é muito comum o presidente do STF assumir a Presidência da República. Apenas quatro presidentes do Supremo assumiram o cargo e todos ficaram poucos dias no posto. Ellen deverá ser a quinta. O primeiro a assumir a Presidência da República foi José Linhares, em 29 de outubro de 1945, logo após a deposição de Getúlio Vargas. Depois, apenas em 1986, o ministro Moreira Alves assumiu o Planalto em substituição a José Sarney. O ministro Octávio Gallotti também ficou presidente por quatro dias, em substituição a Itamar Franco. No período Fernando Henrique, assumiu a interinidade o ministro Marco Aurélio Mello.