Título: Governo admite alta do gás mas não deve repassar ao consumidor
Autor: Romero, Cristiano e Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Especial, p. A9

A expectativa do governo brasileiro com a reunião de presidentes hoje, em Puerto Iguazú, na Argentina, é que a Bolívia concorde em negociar preços "favoráveis" ao gás importado pelo Brasil. Não se espera o anúncio, após o encontro, de um preço específico, mas uma sinalização positiva por parte do presidente Evo Morales. A Bolívia não ainda fez um pedido formal de aumento, mas já indicou a intenção de elevar o preço em US$ 2 por milhão de BTU, o que poderia levar o preço o preço final em São Paulo para quase US$ 8.

"Temos uma expectativa forte de que o governo boliviano concordará em baixar a expectativa quanto ao preço do gás vendido ao Brasil", disse ao Valor um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou das reuniões no Palácio do Planalto sobre o tema. Morales já teria sinalizado a Lula a disposição de abrir mão de parte do aumento pretendido.

Apesar das declarações na tarde ontem do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, descartando um aumento no preço do gás comprado à Bolívia, à noite o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já admitia que haverá um reajuste.

Um auxiliar do presidente assegurou que, mesmo ocorrendo o reajuste, não haverá impacto sobre o preço pago pelos consumidores residenciais e industriais no Brasil. Ele não explicou como isso será possível, mas informou que a avaliação de que a Petrobras tem "margem" para assimilar o reajuste foi feita na reunião ocorrida na terça-feira, no Palácio do Planalto.

O governo admite, internamente, segundo essa fonte graduada, que a Petrobras teria ganhado "muito dinheiro" na Bolívia. Segundo autoridades brasileiras, a empresa não estaria sofrendo uma expropriação, uma vez que as duas refinarias que controla na Bolívia pertenceram no passado ao Estado boliviano. "O que eles querem fazer é recomprar ações dessas empresas, reestatizando o controle acionário das refinarias."

A posição do Palácio do Planalto está em linha com a política externa desenvolvida pelo Itamaraty em relação ao país vizinho.

Ao propor o encontro de Lula com os presidentes Evo Morales, Néstor Kirchner (da Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela), o governo brasileiro quer transformar o contencioso do Brasil com a Bolívia numa questão regional. "O problema não é bilateral. Diz respeito à segurança energética do continente", disse um assessor de Lula.

A idéia de convidar Hugo Chávez para o encontro de presidentes teria uma razão pragmática: o presidente venezuelano é hoje o líder mais próximo de Morales. "Chávez vai nos ajudar na intermediação com o presidente boliviano."

Para dar peso à sua delegação, além de ministros, Lula convidou para integrar sua comitiva os presidentes da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros, além do vice-presidente José Alencar.

Um forte argumento na negociação do preço do gás é que o Brasil compra quase 40% de tudo que a Bolívia exporta, mais que o dobro do que o país vende aos EUA e mais de três vezes as compras da Venezuela. Com dados como este, Lula tentará convencer Morales, a abrandar os efeitos, sobre a Petrobras da nacionalização do setor de gás e petróleo decretada pelo governo do país vizinho. O governo explicará a Morales que a negociação em torno de preços e indenização pelo patrimônio tomado à Petrobras deve ser "equilibrada e vantajosa para ambas as partes", como diz a nota oficial do governo brasileiro sobre a nacionalização.

Segundo declarações do vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, o preço do gás vendido pela Bolívia ao Brasil deveria subir pelo menos US$ 2, o que elevaria o preço do produto, na saída do país, para US$ 5,50, e subiria o preço para os consumidores de São Paulo para quase US$ 8.

Assessores de Morales confirmaram ontem que ele pretende indenizar as empresas pelas refinarias, dutos e campos de petróleo retomados pelo governo boliviano. A decisão de nacionalizar o setor de hidrocarbonetos (gás e petróleo) não será negociada, mas o governo discutirá prazos, afirmou Linera, indicando o tipo de concessão que Morales estaria disposto a fazer no encontro com Lula.

Morales e Linera, o segundo homem mais importante no governo, já deixaram claro em todas as manifestações públicas que não cederão em outro ponto incômodo para a Petrobras, o aumento da carga fiscal sobre a produção dos campos de petróleo explorado pela estatal, dos atuais 50% aproximadamente, para 82%.

A Petrobras pode aproveitar a oportunidade para anunciar ao governo Morales que entrega à Bolívia as duas refinarias sob intervenção, que têm operado com riscos constantes de prejuízo (mais fortes, depois do anúncio ontem, pelo governo, de que poderá baixar o preço de varejo do combustível produzido por elas). A estatal já disse ao governo Lula que prefere ceder totalmente as refinarias a operá-las com 49% de participação em sociedade com os bolivianos.

Para Morales e seu vice, a auditoria determinada sobre o setor deverá comprovar que a estatal brasileira pode obter lucros suficientes dos campos explorados por ela mesmo se receber menos que os 18% determinados no decreto de nacionalização