Título: Educar para o futuro
Autor: Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2010, Brasil, p. 10

CNE discute as novas diretrizes do ensino médio visando não apenas reforçar os tradicionais conteúdos dos vestibulares, mas também ampliando o leque de possibilidades dos alunos, com preparação profissional e formação ética

Os rumos do cotidiano de estudantes do ensino médio, dentro e fora das salas de aula, estão abertos a discussão. Na próxima segunda-feira, o Conselho Nacional de Educação (CNE) recebe interessados em contribuir na elaboração do documento que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio, com a previsão de ser homologado até o fim do ano pelo Ministério da Educação (MEC). Além de novos conteúdos que deverão integrar a organização curricular, resolução previamente elaborada pelo CNE traz ainda o reforço de que o ensino médio deve ter o foco não apenas na continuidade dos estudos com o ensino de conteúdos previstos para serem cobrados nos vestibulares , como também na preparação básica para o trabalho, na formação ética dos estudantes e na relação dos fundamentos científico-tecnológicos com a prática.

Reforçamos que esse é um texto em construção. O CNE já ouviu a opinião do MEC, de diversos especialistas, dos coordenadores estaduais do ensino médio. Mas antes de fechar o documento, em novembro, entidades e a população em geral devem opinar e contribuir com as novas diretrizes, afirma o relator do documento no CNE, José Fernandes de Lima. As últimas diretrizes curriculares para essa etapa da educação foram firmadas em 1998. A distância temporal do documento é uma das justificativas para a elaboração de uma nova resolução: Desde as últimas diretrizes, a legislação relativa à educação mudou bastante. A principal delas tornou a oferta do ensino médio obrigatória, e várias outras incluíram disciplinas que se tornaram obrigatórias no currículo. Com a inclusão de novos conteúdos, é ainda mais necessário reforçar que as escolas devem ter autonomia na construção de um projeto político-pedagógico, respeitando particularidades regionais, sem seguir apenas orientações nacionais, diz o relator.

Entre os novos conteúdos previstos para integrar a organização curricular dessa etapa de ensino estão educação ambiental, diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, valorização do idoso, música e cultura afro-brasileira e indígena.

Os estudantes do Centro Educacional Setor Leste Lorena Sabarense, 18 anos, Almir Oliveira, 18 anos, e Geronilson da Silva Santos, 16 anos, contam com o Ensino de Educação Ambiental na escola como conteúdo da chamada Parte Diversificada do currículo, e não de uma Base Nacional Comum. Com a atual obrigatoriedade, eles defendem que tanto esse quanto outros assuntos previstos sejam tratados com mais seriedade e profundidade. Não adianta trazer um conteúdo pra sala de aula e ensinar o mais básico possível. O raso nós já temos, não precisa um professor vir falar para separar o lixo, para não maltratar os idosos. Não podemos maltratar ninguém e queremos saber como funciona exatamente a reciclagem, isso sim, afirma Lorena. A maioria dos novos conteúdos foram adicionados por emendas parlamentares nos últimos três anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação teve seis novos conteúdos incluídos por meio de emendas.

Para o secretário de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, uma nova diretriz curricular deve ser implementada, ainda, em conformidade com a formação e capacitação dos profissionais envolvidos. Não dá para pensar em reforma curricular sem a valorização dos profissionais, formação e carreira não podem ficar de fora do debate. Os três entes federados do estado devem se unir para garantir que os professores sejam capacitados para lecionar novos conteúdos, para que as redes estaduais consigam implementar as mudanças de forma concreta, defende Araújo.

"Antes de fechar o documento, em novembro, entidades e a população em geral devem opinar e contribuir com as novas diretrizes

José Fernandes de Lima, relator do documento no CNE

Novas diretrizes

Segundo resolução do CNE, deverão integrar a Base Nacional Comum da organização curricular do ensino médio os seguintes conteúdos:

» O estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil

» O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais

» A educação física

» O ensino da história do Brasil, que levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia

» Uma língua estrangeira moderna e uma segunda, em caráter optativo

» Oferta da língua espanhola

» A música como conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular

» O estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena

» A educação tecnológica básica

» A filosofia e a sociologia em todas as séries

» A educação ambiental como uma prática educativa integrada

» Conteúdo que tenha como diretriz o Estatuto da Criança e do Adolescente

» Conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso

Fonte: Conselho Nacional de Educação (CNE)

Palavra de especialista Em busca de harmonia

Nos estudos que fiz sobre as diretrizes curriculares para o ensino médio brasileiro, vigentes desde 1998, percebi a existência de dois ideais políticos para essa etapa escolar: o ensino médio dominado pela exigência da economia mundial e o ensino médio humanista, defensor de uma educação comprometida com as dimensões formativas básicas do ser humano e necessárias a uma vida socialmente ativa.

A história do mundo aponta que exigência econômica e o humanismo nunca conseguiram se harmonizar: a primeira situação (economia) deveria constituir-se a partir do crescimento da segunda (ser humano), entretanto a economia sempre esteve acima dos ideais humanos.

Defendi em meus estudos a superação dessa submissão no âmbito da educação da juventude brasileira, ao afirmar que uma escola intencionalmente organizada para a sociabilidade juvenil, para a educação das relações de convivência, apoiada em atitudes de combate a qualquer forma de preconceito e discriminação, e visando uma educação de jovens protagonistas de um mundo mais responsável e solidário, conseguiria formar sujeitos críticos e atuantes, capazes de mudar a posição ocupada pela humanidade até então.

Passados 12 anos de existência das atuais regras curriculares para o ensino médio brasileiro, surge a possibilidade de superação de um dos ideais políticos presentes, o da dominação econômica.

Exatamente no dia de hoje, o Conselho Nacional de Educação está para aprovar uma nova diretriz curricular para o ensino médio que, pela minha breve análise, exclui (ou diminui) a dimensão do poder da economia no texto para o ensino médio e mantém alguns fundamentos pedagógicos e axiológicos presentes nas normas de 1998, decisão que acho positiva, pois estão em sintonia com o perfil juvenil que defendo.

Inclusive, é válido destacar que manter ideais políticos criados por outros governos pode dar indícios de um possível crescimento da visão gerencial dos gestores públicos do Brasil: uma diretriz para o currículo do ensino médio, inicialmente criada com uma intenção partidária e governista, é aproveitada por outra equipe naquilo que possui de bom e se transforma em algo melhor, que abre caminhos para um projeto coletivo de nação.

Contudo não posso deixar de registrar minha decepção parcial sobre o novo texto legal, pois vi que os textos preliminares davam maior garantia de flexibilização e diversificação curricular, dando ao aluno o direito de construir parte de seu próprio currículo, podendo optar por disciplinas ou atividades formativas diferentes daquelas tradicionalmente existentes. Aquilo que poderia ser considerado ousadia e compromisso político se transformou em timidez.

Ericka Fernandes Vieira Barbosa é mestre em Educação e autora da dissertação Políticas públicas para o ensino médio e juventude brasileira